segunda-feira, abril 23, 2007

FAZER PENSAR


Fui nomeada como um dos cinco blogs que faz pensar. Fui nomeada por alguém que me faz pensar a mim, o meu amigo Cusco, do VIAGENS DA ALDEIA, http://latidosemdono.blogspot.com/), que me lê e me comenta, a quem também eu leio com o maior interesse e comentamos os textos um do outro com a regularidade que esta eterna luta contra a falta de tempo, drama dos dias de hoje, permite.
Não posso deixar de, aqui neste espaço que é meu e vosso, lhe agradecer esta nomeação e lhe dizer que o que verdadeiramente me encheu de orgulho foi o facto de ter sido ele a nomear-me.
Visitem o blog deste grande SENHOR e vão entender porquê.

Apesar de eu não ser muito adepta da competição em áreas de teor essencialmente criativo como é o caso da maioria dos blogs. Esta é, no entanto, o tipo de nomeação que me faz sorrir. “Fazer Pensar” foi um dos propósitos da criação deste espaço e uma das principais razões porque mantenho o esforço em lhe dar continuidade é precisamente por sentir que tenho alcançado devagarinho esse objectivo.

Esta nomeação deixa-me pensativamente sorridente.

Quem me lê sabe que escrevo por amor.
Amor às palavras.
Amor à vida e às vidas.
Amor ao mundo e aos mundos.
Amor ao ser e aos seres.

Esse amor faz-me escrever textos sobre mim e sobre personagens que são parte de mim e de tudo o que me rodeia. O que escrevo é parte do que sinto, do que vejo, do que sonho, do que penso, do que ouço, do que imagino, do que ambiciono, do que sofro, do que acredito, do que duvido, do que quero, do que gosto, do que odeio, do que rejeito, do que enfrento, do que me indigna, do que me revolta, do que luto, do que me move, do que me fortalece, do que me dói, do que me moí, do que amo, do que amo, do que amo!

Isto.
As palavras
A vida, as vidas.
O mundo, os mundos.
O ser, os seres.

Gostava que esses textos que saem do mais fundo de mim e são um reflexo puro e por vezes duro da forma como os meus olhos, a minha alma, o meu coração, o meu pensamento vêem o mundo
o sentem
o entendem
o amam
e muitas vezes o odeiam.
São um reflexo da forma como vivo, vivi ou vi viver
morro, mato-me ou vejo morrer.
São um reflexo de mim inteira e da minha existência que gostava de ver reflectida no vosso pensar.

Não quero que pensem como eu!
Não! Nunca o façam! Não pensem como eu nem como ninguém!
Por favor!
Pensem apenas.
Pensar é exactamente o contrário de pensar como alguém.

Pensar é duvidar.

Desculpem-me os crentes, pensar é o contrário de fé.
Não é não ter fé, mas é ser capaz de continuamente a pôr em causa.

Gostava que:
as minhas palavras,
as minhas histórias,
as minhas personagens,
as vidas que lhes dou ou lhes tiro,
os conflitos já vividos que as faço reviver,
os mundo em que habitam e que vos tento mostrar,
aquilo que não digo mas está lá nas entrelinhas, destas linhas circulares em que escrevo para aqueles de vós que quiserem rodear esse circulo de sangue suor, lágrimas, fogo, riso, prazer água e mel de que fiz a minha tinta.
Gostava que tudo isto e mais tudo aquilo que de vós nos textos deixam ficar quando os lêem, fossem uma gota de dúvida no pensamento de quem me lê.

Porque repito, pensar é duvidar.

E de cada nova certeza o novo pensamento deve ser capaz de construir uma nova dúvida.

Muitas outras coisas fazem abanar e mover o mundo mas uma delas é sem dúvida a força do pensamento buscando certezas que o próprio pensamento destrói quando inundado de dúvidas… esta força poderosa e imparável empurra o mundo…

Novos pensamentos constroem novos mundos.

E ainda bem.
O mundo como está bem precisa de novos e velhos seres pensantes que o ajudem a renovar-se.

Obrigada Cusco e obrigada a quem me lê e pensa comigo.

Agora a parte difícil.

Escolher 5 que me fazem pensar.
Pois bem perante esta tarefa impossível pois todos os que visito e comento me fazem pensar e muito, tive de pensar muito para criar um critério alternativo.
Vou ter a ousadia de não divulgar o critério que escolhi.

Assim os 5 escolhidos são:

Um dia depois… (
http://sambock.blogspot.com/ ) do Paulo Guerreiro que escreve com uma qualidade de escrita inegável, com a alma aberta como é raro ver, com a coragem de se olhar, se autoavaliar, autocríticar, de um verdadeiro guerreiro, sendo Guerreiro já o seu nome. Mas não fica por aqui, analisa o mundo de uma forma especial usando toda a sua experiência de vida e sensibilidade para retratar o bom e o mau sem julgar… os “pântanos da vida” ensinaram-lhe que qualquer um lá pode ir parar e lá com qualquer um nos podemos cruzar.

Pierrot
http://heartpierrot.blogspot.com/ do Eugénio Rodrigues mais um escritor de grande qualidade, com uma característica que admiro muito, desprovido de qualquer pretensiosismo tenta com a sua simplicidade (e meus amigos, ser simples é muito, muito mais difícil que ser complicado) tocar dentro de cada um que o lê. Tem uma sensibilidade tão fora do cumum e sabe que para a usar alçançando todos e qualquer um, tem de ter a arte, o mérito, o dom de ser simples. Ele tem esse dom e usa-o. Usa-o para nós. Simplificasse para nós. dá-se a ele e ao seu raro dom a nós.
Que nós saibamos reconhecê-lo por isto e que ninguém nunca confunda simplicidade com vulgaridade.
Elogiá-lo é tambem elogiar essa tão preciosa simplicidade e tantas vezes tão injustamente confundida.


De pernas para o ar http://estranhodesassossego.blogspot.com/ da Estranha pessoa esta, uma mulher tão plena, tão densa, tão forte e tão frágil, tão doce e tão dura, tão cheia, tão cheia, tão cheia que transborda para a sua escrita e ali entrega-nos de si o que aceita mostrar e para o bom observador, deixa espreitar aquilo que com muito amor e muita raiva vai teimosamente escondendo.

Nimbypolis
http://nimbypolis.blogspot.com/ do Nilson Barcelli, uma descoberta recente que vale a pena continuar a descobrir, pois ele próprio descobre-se e vai-nos desnudando as suas descobertas, expondo-se sim mas sempre por detrás de um véu esvoaçante, só o vemos, só o lemos verdadeiramente se formos capazes de nos abanarmos ao ritmo do vento que faz o seu véu esvoaçar.

Visceralidade
http://glandulasudorifera.blogspot.com/ de Arritmia Visceral, mais uma descoberta recente que vale a pena pois o nome do espaço está tão bem escolhido que diz tudo. É visceral, escrever assim além de difícil é doloroso, sei-o porque também eu sou visceral. Neste caso além de uma escrita de grande qualidade existe uma linguagem própria a todos os níveis, as palavras e as imagens conjugam-se de forma
soberbamente visceral.

A ti, querida B que estás aí com o sorriso nos lábios, já sabes qual é a razão de aqui não estares. Estás em mim 24 horas por dia. Penso em ti, sobre ti e contigo tanto que dizer que algo que fazes me faz pensar não faria sentido. Tu és parte do meu pensamento!

Ao meu grande amigo António Melenas do Escritos Outonais
http://escritosoutonais.blogspot.com/, que foi nomeado junto comigo e pela mesma pessoa, quero que saiba que a única razão pela qual não o vou nomear é por ter decidido que o tenho para lhe oferecer é mais que isso. A seu tempo farei um texto unicamente sobre ele e aí sim espero conseguir prestar-lhe-ei a homenagem que realmente merece e tentarei à minha maneira demonstrar-lhe o grande carinho e admiração que lhe tenho.

Ao Brain, do Taradisses,
http://taradisses.blogspot.com/, que esta manhã tinha decidido ser um dos meus escolhidos, não o foi porque entretanto vi que já tinha sido nomeado.
Ainda assim não posso deixar de falar neste blog onde as perguntas, as dúvidas, o espicaçar das certezas, o abanão que não nos deixa adormecer no conforto ou na ignorância, o agitar dos pensamentos, o alertar dos sentidos, é uma constante.
Se falamos de fazer pensar aqui temos isso, temos isso bem feito, com frontalidade e sensibilidade bem medidas, tocando no mais fundo daqueles de nós que assumidamente e corajosamente se deixarem tocar. Olhar para dentro de nós próprios e para o mundo, ver e agir é ao que Brain nos incita e bem.

Os nomeados devem copiar o selo correspondente e colocá-lo na barra lateral dos seus blogs. Devem, igualmente, escolher os cinco blogs que os fazem pensar e escrever um post a nomeá-los...Odeio este tipo de regras já sabem, mas é assim!

Por hoje deixo-vos com a fotografia de uma gaivota maravilhosa, que me fez pensar muito.

O que ela me cantou, talvez um dia vos conte... numa outra história.


Isabel


"O canto da gaivota"

Fotografia de Helena Isabel Ponce

quinta-feira, abril 05, 2007

Começar de novo

Carlos
O cigarro mata, o chá aconchega a morte e a poesia faz o morto renascer.
Hoje o entardecer era diferente.
Este cigarro matava-o mais do que todos os outros cigarros que fumara.
Não bebeu chá, chá nenhum o aconchegaria hoje. Nenhum chá lhe dará aconchego nem à morte nem à vida.
E a poesia? Perdoai-me o poeta, mas hoje, hoje, nem a poesia fará o morto renascer.
Nenhum dos mortos.
Nem o morto que ele se sente. Nem o outro. O morto que ele matou.
Hoje o entardecer é em tudo diferente.
É o entardecer de um assassino que cometeu o seu primeiro assassinato.
De um assassino que matou mas tem duvidas se é um assassino.
De uma assassino que matou e fugiu.
Não sabe de quê?
Do morto.
Do julgamento dos vivos.
Do seu próprio julgamento.
De si mesmo.
Será que não fugiu?
Que partiu apenas?
Partiu para longe do passado.
Partiu para num presente em que o futuro não se avista.
Partiu para um presente sem procura de futuro, sem sequer vontade de o encontrar.
Dizem que por vezes temos de perder-nos de nós mesmos para depois nos encontrarmos.
Era assim que se sentia, perdido. Totalmente perdido.
Chegou a fugir.
Chegou a partir apenas.
Chegou a entrar na estrada.
Chegou a deixar o negro do alcatrão invadir-lhe a mente já ocupada de negros pensamentos.
Chegou a deixar as paisagens, as coisas e os sítios passarem-lhe à direita e à esquerda das fontes, velozes e invisíveis como o vento.
À frente apenas negro. Negro salpicado de riscas brancas. Aliviavam-lhe o espírito aqueles traços brancos por entre a negrura do alcatrão. Pareciam prégar-lhe que mesmo na mais densa escuridão é possível um rasgo de claridade.
Chegou a fazer horas de estrada.
Depois voltou para trás.
Regressou à cidade sem saber porquê.
Conduziu quase um dia inteiro, entre o ir sem saber para onde e o regressar sem saber para quê ou porquê.
Conduziu com uma única coisa no pensamento.
Áli. Áli o seu amor não amado. Áli o seu amante. Áli o homem que ele matara.
Como tinha aquele amor em que tanto acreditara chegado ali, à morte de Áli?
Teria sido demasiada a paixão? Pode a paixão ser demasiada?
Carlos sempre achou o contrário, que a paixão não é nunca suficiente.
Era sôfrego.
Insatisfeito.
Sonhador.
Insistente.
Maçador.
Massacrante.
Aborrecido.
Entediante.
Desesperante.
Sim Carlos era maçador e aborrecido, era massacrantemente entediante.
Desesperantemente cansativo.
Sempre sedento.
Sempre pedindo, implorando, exigindo mais, e mais, e mais, e mais, e mais!
Nada bastava. Nada nunca era tudo. E Carlos queria sempre tudo.
Perguntavam-lhe o que era tudo e Carlos enumerava ponto por ponto, detalhe a detalhe, tudo o que lhe faltava para completar o seu tudo.
Explicava que enquanto não tivesse esse tudo sentia como se não tivesse nada e portanto estaria infeliz e insatisfeito.
Garantia que quando tivesse tudo acabariam as constantes exigências e seria só felicidade, alegria e paz.
Criava nos outros uma tal necessidade de paz, que acabava por os vencer pelo cansaço.
Ganhava o que queria fazendo do cansaço uma vitória.
Quando tinha tudo, subitamente mudava o conceito de tudo, alargando-o.
Alargava, alargava, puxava, puxava, esticava, esticava.
Alargava os seus conceitos que mais não eram que as suas vontades, comprimindo os conceitos e as vontades dos outros.
Alargava-se comprimindo.
Esticava demasiado a corda, e sabia-o. Não conseguia evitar. Era mais forte que ele.
Olhava os olhos que um dia o tinham olhado ardentes, queimando no fogo do desejo, e via um olhar moído por esse cansaço que a permanente moínha traz.
Sentia nas mãos que um dia lhe tinham rasgado a pele possuídas pela vontade de o possuir, umas mãos inertes por esse tédio que a longa inércia provoca.
Observava, os corpos descaírem dobrados sobre si mesmos entregues à exaustão dos corpos exaustos de corpos, em vez de caírem sobre ele entregues à loucura a que os corpos se entregam quando o medo de se sentirem abandonados os faz gastar toda a coragem para se entregarem.
Carlos via, sentia, observava, tomava consciência e nada fazia.
Deixava que aquele pesado cansaço do outro por ele se fosse tornando cada vez mais pesado e como se de um suicídio ou de um crime se tratasse. Ele mesmo que dava o empurrão final para que aquela relação caísse num poço sem nada. Um poço sem fundo, sem água, sem paredes, sem estrutura, sem sequer profundidade para poço se chamar.
Não sabia porque o fazia.
E fazia-o sistematicamente.
Fazia-o inevitávelmente, consciente da inevitabilidade de o fazer.
Era como uma cadeia de empurrões, como se algo invisível e desconhecido o empurrasse a ele, e o empurrão que ele dava mais não fosse do que uma mera consequência do empurrão invisível que recebera.
Não sabia se era o medo de ter pena de si mesmo.
Se era o medo de não saber continuar a admirar-se depois da rejeição.
Se era o vício na sensação de poder proveniente de ser ele, e só ele, a pôr o derradeiro ponto final.
A sensação de poder, de controlo era poderosa, invadia-o um prazer tão intenso, tão sublime, tão profundo que se alastrava em espasmos por todo o seu ser como um polvo de mil tentáculos espalhando orgasmos na sua mente, na sua vaidade, na sua inteligência, no seu orgulho, nas suas verdades, nas suas mentiras, nos seus mais secretos segredos, nas suas mais fantasiosas fantasias, e principalmente no seu auto destrutivo ego que por momentos nada mais era de que um ego inchado gemendo de prazer.
Os pontos finais que Carlos punha não passavam de pontos finais.
Pontos finais naquilo que já finalizado estava.
Como aquelas frases cansativas, sem ânsias, sem promessas, sem nada para dar, nem nada para roubar e que no entanto se alongam e prolongam no tempo, que permanecem no espaço que ocupam, que já não nos lembramos como começaram, que nada nos deixaram nem na alma, nem na memória, nem no pensamento, nem sequer ao de leve nos tocaram a pele, frases que parecem não terminar nunca e que no entanto desde o inicio nada delas é esperado, são frases já terminadas na essência e que apenas a teimosia ou mais puro dos amores, o amor pelas próprias palavras enquanto tal, faz com que algum dia tenham existido e que seja tão, tão difícil finalizá-las. Finalizam-se assim. Com um doente e dorido ponto final.
Desta vez o ponto final de Carlos tinha sido mais final que todos os seus outros pontos finais.
Há o ponto final, na mesma linha.
Há o ponto final, mudar de linha.
Há o ponto final terminar frase.
Há o ponto final terminar capitulo.
Há o ponto final terminar livro.
Este foi o ponto final terminar uma vida.
Este foi o ponto final mudar outra vida.
Matar Áli.
Mudar a vida de Carlos.
Matara Áli.
E a sua vida mudara.
Agora ali estava. O carro parado em frente ao rio.
Ele parado, sentado dentro do carro. Perdido no espaço, no tempo e nos seus pensamentos.
O dia estava de partida.
Ele pensava que deveria partir também, mas deixava-se ali ficar.
Olhando o rio.
Como era bela aquela hora!
Gostava de amanheceres e de entardeceres, horas em que os tempos se cruzavam, se admiram, se anseiam e se desejam sem nunca, nunca se tocarem. Roçam-se levemente apenas, e porque esse roçar não lhes basta viverão eternamente na ânsia um do outro.
Era o que ele e Áli deviam ter feito, cruzarem-se, admirarem-se, desejarem-se, mas nunca, nunca se tocarem. Se não se tivessem tocado Áli estaria vivo.
Recordou a sua beleza.
Como ele era belo!
Quis, assim que o viu, agarrá-lo, tocá-lo, torná-lo seu.
Perguntou mais uma vez a si próprio se o amara.
Pela milésima vez desde que o matara.
Sabia a resposta.
Não, não amara Áli. Nunca o amara.
Queria responder que sim.
Queria poder responder que o amara tão perdidamente que fora perdido de amor que o matara.
Mas não.
Podia fazer a pergunta a si próprio mais mil vezes e a resposta seria sempre, não.
Tinha-o querido muito. Muito.
Mas ama-lo, não.
Amar é mais, muito mais.
Amar é diferente, muito diferente.
Não amara nunca, nem a Áli nem a ninguém.
Amar é permanecer.
Amar é ir conhecendo o desconhecido, ir descobrindo o que está coberto, ir desbravando o que está por desbravar.
Amar é ir encontrando os segredos, desvendando os mistérios, solucionando os enigmas.
Amar é entrar no labirinto do ser do ser amado e nele caminhar todos os caminhos, contornar todos os contornos, revolver todas as voltas, passear por todos os passos, virar todas as viragens.
Saber a saída e não querer sair.
Amar é adivinhar todas as novidades até novidades já não haver.
Amar é tudo isto e por tudo isto ou apesar disto tudo, permanecer.
Amar é permanecer.
Carlos não permaneceu.
Áli não ia permanecer.
Áli permanecerá morto.
Carlos permanece ali, olhando o rio.
A noite tenta em vão beijar o dia.
Vai abrindo as suas asas negras, tapando o laranja que resiste em partir.
Noite e dia tentam em vão abraçar-se.
Carlos, parado e só tenta em vão perdoar-se.


Isabel

(continua)

"Variações de laranja e negro"
Fotografia de Isabel