O tempo das borboletas
Ausente de palavras
Ausente da escrita e fraca na voz.
Silenciei-me.
Pousei minh’alma em silenciosos sentires.
Mudei.
Mudei muito.
Não troquei de pele, troquei de interiores.
Preciso, agora, vasculhar as entranhas desta mudança, preciso, agora, rasgar-me para de dentro de mim se soltar uma nova voz, uma nova linguagem, uma nova verdade.
Perdi as minhas antigas palavras em novos sentires e o muito que de novo encontrei não o sei dizer ainda.
Tive medo. Muito medo.
Tive muito medo e mudei tanto quanto o medo que tive.
Silenciei-me.
Rezei silenciosa a um deus em que não creio.
Ajoelhei muda e humilde ante a visão de um medo todo-poderoso.
Agora procuro as cores da minha nova voz.
Busco-me.
Revolvo-me.
Não parei.
Eu não paro.
Danço.
Danço e rodopio atrás das borboletas.
Chegou o tempo das borboletas, sabiam?
O medo chegou sem meter medo nenhum.
Surgiu como um vento muito suave, uma brisa quase imperceptível, um arrepio leve na pele.
Veio devagarinho, pé ante pé e foi ficando.
Quase sem se dar por ele foi crescendo lentamente, tão lentamente que na verdade parecia não crescer.
A menina brincava com ele como quem brinca com um amigo invisível.
Rodopiavam juntos, de mãos dadas, rindo muito até a menina ficar tonta e se deixar cair no chão sem nunca parar de rir.
Deitada no chão abria os braços e ficava a ver o mundo andar à roda.
O mundo rodava, rodava e as cores iam-se esbatendo, os contornos iam-se suavizando tudo se ia cobrindo de uma enorme e enternecedora doçura.
A doçura não assusta ninguém, mas devia.
A doçura é perigosa.
A doçura devia assustar.
A doçura por ser tão doce é o mais terrível dos venenos, lento, suave, morno e deliciosamente letal..
Ela e o medo gostavam muito brincar juntos.
Ela brincava com ele e ele brincava com ela.
Ela gostava dele e ele gostava dela com ele.
Cada vez que brincavam às rodas o medo tentava acelerar um pouco mais a velocidade com que rodopiavam, a menina ria e esforçava-se por conseguir acompanhá-lo, até rodarem tão rápido que os seus pequeninos pés levantavam do chão.
Quando isso acontecia, sempre a sorrir, pedia ao medo para parar.
O medo que não lhe queria meter medo parava de imediato.
Mas o medo era feito de medo e mesmo a medo voltava a tentar acelerar.
A menina foi-se habituando e aprendendo a rodar cada vez mais depressa
mais depressa
mais depressa
mais depressa
cada ver mais rápido
mais rápido
mais rápido
mais rápido
Cada vez mais veloz
mais veloz
mais veloz
mais veloz
Um dia, entre tantas rodas e rodopios, voltas e reviravoltas, a menina caiu tonta no chão como já era costume, mas esse dia foi especial,depois desse dia nada mais foi como era antes.
Procurou a doçura do mundo e não a encontrou.
Procurou o mundo e o mundo inteiro parecia não estar lá.
Apenas uma densa sombra cinzenta a envolvia escondendo-a de tudo e escondendo tudo dela.
Viu a sombra estender-lhe um dos seus enormes braços, agarrá-la com uma das suas enormes garras, sorrir-lhe com um assombroso sorriso e dizer-lhe:
Anda menina, vamos continuar a brincar!
Teve medo.
Estava perdida.
Estava sozinha.
Não sabia do sorriso.
Não conseguia ver as cores.
Não encontrava o mundo.
Junto de si apenas o medo.
Olhou o medo nos olhos e pela primeira vez teve medo.
O medo, agora, era grande.
Enorme.
Gigantesco.
Muito maior do que ela.
O medo era um gigante e ela era muito pequena.
De brisa suave ele tinha passado a ventania e rodeava-a com seus longos braços estreitando-a num abraço assustadoramente protector, enquanto rodava em volta dela mais rápido do que alguma vez tinham rodado juntos.
Já não rodava com ela.
Rodava com ela dentro dele.
O medo agora metia medo!
Pobre menina coberta de medo!
Pobre menina, escondida do mundo, distante de tudo.
Viveram muito tempo juntos.A menina e o medo, a menina com medo, o medo com menina..
Ele apertando-a nos braços longos.
Ela sufocada nos longos braços dele.
Mas muito, pouco, sempre ou nunca não são tempos dos nossos tempos, são crenças de outros tempos, belas mas distantes... ainda assim, e mesmo que digam que não, há sempre o tempo das borboletas.
Tontas, alegres, coloridas, pousando aqui e ali alheias ao tempo e aos tempos e no entanto plenas de vida.
Uma enorme borboleta, verde e amarela, entrou esvoaçando dentro do medo e foi pousar mesmo na ponta do nariz da menina.
A menina achou-lhe graça.
Não via nada a não ser o medo há tanto tempo que a graça se transformou em deslumbre quando viu a borboleta voar.
Não pensou.
Não hesitou.
A borboleta voou e a menina foi atrás.
Correu encantada atrás da borboleta verde e amarela e só parou quando deu por ela rodeada de muitas borboletas coloridas, eram tantas e de tantas e de tantas cores que se sentiu rodeada de todas as cores que as cores podem ter.
Olhou em volta e percebeu que se tinha afastado muito do medo mas ainda o via, lá longe, esticando os longos braços ,tentando alcançá-la. Ainda o escutava, num gemido distante chamando por ela.
Ignorou o medo.
Sabia que ele iria continuar a esperar por ela.
Voltou-lhe as costas.
Deixou o olhar vadiar pousando-o ora aqui ora ali bebendo sôfrega a beleza das coisas.
Por fim começou a dançar, saltar e correr atrás das borboletas.
Distraída esqueceu o medo.
Chegara o tempo das borboletas.
A menina ficou longe do medo a brincar.
E eu, com medo que o tempo me fuja, entro noutro tempo e brinco também.
Brinco de menina e invento-me rainha das borboletas.
Chegou o tempo das borboletas, sabiam?
Isabel
41 Comments:
Já tinha dado por isso....
Que essa borboleta verde e amarela te coroe de rainha no país das cores e onde todas as borboletas dançam....
... porque apesar de tudo amam a vida!
Beijinhos, Isabel
em mim também se fez um silêncio...
tens uma nomeação no meu Eremitério.
Fraterno abraço
A TUA borboleta é nova e forte.
Encontrará uma flor sem medo, destemida.
Que a voz da flor e a cor do vôo te guiem, Isabel querida.
Cem olhos maus se ceguem e sequem.
E com olhos/palavras voltes.
A voar.
Bj
i.
lembras do tal sorriso?
____________"bora" lá...
beijos. esvoaçantes. mas firmes.
quem sabe o finito não se transforma em infinito?
_______________...
Vamos à procura das borboletas sem medo.
Que a menina continue sempre viva em ti...borboleta de infinitos vôos...
Grande abraço!
procuro borboletas sem procurar
sabia às vezes que chegavam de noite muito brancas
escorriam louvores
e sorriam tonteiras.
aprendiam
lentamente ~
a cheirar as mimosas
recém acordadas
:)beijO de borboleta
uma bela e comovente "estória" com medo dentro. e de borboletas colorida.
li de um fôlego, completamente apanhado pelo ritmo.
Segue as borboletas, sim! E deixa o medo para trás. Há uma frase neste texto que guardo porque sei que é totalmente verdade:
"A doçura por ser tão doce é o mais terrível dos venenos, lento, suave, morno e deliciosamente letal.."
Um texto fantástico, mas costumam ser assim, não é? :))
Um texto muito bom Isabel. Cheio de sentimento. O medo é assim. Chega de mansinho, quase sem se sentir, e vai crescendo até engolir tudo à sua volta. Bom que a menina, voou com as boprboletas.
Bom que a menina esqueceu o medo.
E eu desejo que a menina, seja muito feliz, e se perca de felicidade em lindos jardins cheios de flores e borboletas.
Um abraço
Bom fim de semana
fffffffffffffff e a borboleta pousou: em ti! :)
Querida Isabel, tambéu deixei um dia o medo a chorar...e segui o meu caminho. Sem okhar para trás.
Umbeijo
CSD
Chegou o teu tempo, sabias???
és linda!
bjo
Nota-se que chegou o tempo delas.
Sente-se a sua leveza nas tuas palavras, a beleza das tuas ideias, a transpar~encia da tua mensagem.
Gostei.
Um beijo soprado nas asas de uma borboleta
Isabel, para quem, como eu, te lê há já muitos postais, sabe bem voltar aqui. há sempre um momento de identificação e cada vez mais luz.
abraço!
Nunca tinha reparado tão bem nas cores de uma borboleta!...
abraço!
Isabel,
A ausência foi prolongada.
E,
Podem haver grandes diferenças,
Na forma de encarar,
Na forma de viver,
Até na forma de escrever.
Mas a qualidade...
Essa é a de sempre e a que sempre nos habituaste!
E porque em ti,
Vive um mundo de letras,
De qualidade sem igual,
Esvoaça por aí,
Livre de todos os possíveis medos,
Mas não deixes,
Nunca,
De deixar cair sobre nós,
O teu excelente,
Mar de Letras!
Um (sentido) Beijo meu.
"Procuro as cores da minha nova voz", é uma imagem cheia de beleza que se pode traduzir nas cores frágeis, efémeras, das borboletas, ou dos seres que nos habitam, que nos formam e transformam...
Não sabia... Sê bem-vinda!
António
gosto do tempo das borboletas...
:)
beijos sem medo!
Querida Isabel
Mais um dos teus espantosos textos!,Já tinha saudades de te ler e dexte gostei particularmente, pois além da beleza da escrita nele se adivinha uma como que ressureição.
Oxalá que sim, que para ti tenha chegado o tempo dsa borboletas. porque o tempo do medo, que chega sem ser convidado e quando menos se espera - é terrível.
é devastador.
Fica-te com as borboletas. Eu ainda as não encotrei.
Beijo
Fantástico texto e sensibilidade, prezada Isabel!
Da borboleta, símbolo da bela natureza.
Voltarei sempre para conhecer teu Blog, que já adorei, logo no começo.
Um Beijo
Walmir
... um regresso esvoaçante e cromaticamente poético: o das borboletas que aqui nos trouxeste em palavras-com-asas. A Primavera ainda vem longe, mas este texto bem pode ser o seu prelúdio...
beijos.
Que nem um golpe de asa se perca, por causa do medo.
O medo esbraceja, clama por nós... mas na verdade, existem sempre as borboletas que esvoaçam medo adentro.
Linda!!
Como é bom ler-te e sentir uma água límpoda e cristalina nas tuas palavras...fico contente!!!!
Tenho saudades tuas!!
Muita força pa ti!
beijinhossss
b
e
i
j
o
_____________.
esvoaçante.
que chegue.
a ti!!!!
ola ISABEL.
Cheguei por acaso.
Interesso-me por tudo que seja do reino ANIMAL.
NAO SABIA QUE CHEGOU O TEMPO DAS BORBOLETAS.
INTERESSANTE O TEU BLOG.
E CURIOSO TENHO UM BLOG DESDE MARÇO DE 2007, EXACATAMENTE COM O TITULO " ESTADOS D`ALMA ".
Por acaso está meio inactivo.
Voltarei com mais calma para ler-te sim?
BJS
Que belo texto!!!!
Hoje escrevi um pequeno guia para quem pretende viver no Brasil. Espero que o possas aproveitar...
Abraço
Olá Isabel,que bom ter-te conoosco, já tinahas saudades dos teus maravilhosos escritos...falas em medos em coisas complicadas, estamos preocupados contigo...vem passar uns dias aqui à ilha...sabes que tens casa e simpatia...
Doce beijo
tb inventei. Um. outro. deus.
que voe até à esperança.
__________________
obrigada I*****.
pmsferreira32@gmail.com
ou
MSN: pmsferreira@aeiou.pt
preciso e sempre único
o tempo das borboletas.
o seu
exacto
momento.
Bom sinal o tempo não chegar para muita escrita por aqui.
Continuas uma linda borboleta.
Um abraço
Olá, minha mariposa.
Minha mimosa.
Espero que estes dias tenhas (nham) sossegado com algo de bom e bonito, tipo "ericeira"...
Beijinhos
parece impossível!, como ousasteis ir falar ao capitão haddock em arroz de cabidela?
estou muito zangada...
D. Galinha
Olá, Isabel.
Então uma mariposa!?
Bela postagem.
Parabéns.
venho saber de ti....****!
__________________
beijo.te.
Não, por acaso nao fazia ideia...
Seja como for, é sempre tempo de escreveres mais qualquer coisa e encatar-nos com isso.
Gostei do tema opis não me recordo de o ler em lado algum.
Bjos daqui
Pierrot
boa noite I. de estrelas.
dorme bem.
até amanhã.
deixo um beijo à tua porta.
________.
Eu sei, vou-te bordejando e acenando.
Tu sabes que me preocupo e faço todas as figas por ti!
Beijinhos
I...?
....diz.me.
.
***
obrigada.~~~
por me dizeres.
beijo***.
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