terça-feira, janeiro 22, 2008

O tempo das borboletas

Silenciei-me.
Ausente de palavras
Ausente da escrita e fraca na voz.
Silenciei-me.
Pousei minh’alma em silenciosos sentires.
Mudei.
Mudei muito.
Não troquei de pele, troquei de interiores.
Preciso, agora, vasculhar as entranhas desta mudança, preciso, agora, rasgar-me para de dentro de mim se soltar uma nova voz, uma nova linguagem, uma nova verdade.
Perdi as minhas antigas palavras em novos sentires e o muito que de novo encontrei não o sei dizer ainda.
Tive medo. Muito medo.
Tive muito medo e mudei tanto quanto o medo que tive.
Silenciei-me.
Rezei silenciosa a um deus em que não creio.
Ajoelhei muda e humilde ante a visão de um medo todo-poderoso.
Agora procuro as cores da minha nova voz.
Busco-me.
Revolvo-me.
Não parei.
Eu não paro.
Danço.
Danço e rodopio atrás das borboletas.
Chegou o tempo das borboletas, sabiam?





"Paisaje con mariposas"
Salvador Dali


O medo chegou sem meter medo nenhum.
Surgiu como um vento muito suave, uma brisa quase imperceptível, um arrepio leve na pele.
Veio devagarinho, pé ante pé e foi ficando.
Quase sem se dar por ele foi crescendo lentamente, tão lentamente que na verdade parecia não crescer.
A menina brincava com ele como quem brinca com um amigo invisível.
Rodopiavam juntos, de mãos dadas, rindo muito até a menina ficar tonta e se deixar cair no chão sem nunca parar de rir.
Deitada no chão abria os braços e ficava a ver o mundo andar à roda.
O mundo rodava, rodava e as cores iam-se esbatendo, os contornos iam-se suavizando tudo se ia cobrindo de uma enorme e enternecedora doçura.
A doçura não assusta ninguém, mas devia.
A doçura é perigosa.
A doçura devia assustar.
A doçura por ser tão doce é o mais terrível dos venenos, lento, suave, morno e deliciosamente letal..
Ela e o medo gostavam muito brincar juntos.
Ela brincava com ele e ele brincava com ela.
Ela gostava dele e ele gostava dela com ele.
Cada vez que brincavam às rodas o medo tentava acelerar um pouco mais a velocidade com que rodopiavam, a menina ria e esforçava-se por conseguir acompanhá-lo, até rodarem tão rápido que os seus pequeninos pés levantavam do chão.
Quando isso acontecia, sempre a sorrir, pedia ao medo para parar.
O medo que não lhe queria meter medo parava de imediato.
Mas o medo era feito de medo e mesmo a medo voltava a tentar acelerar.
A menina foi-se habituando e aprendendo a rodar cada vez mais depressa
mais depressa
mais depressa
mais depressa
cada ver mais rápido
mais rápido
mais rápido
mais rápido
Cada vez mais veloz
mais veloz
mais veloz
mais veloz
Um dia, entre tantas rodas e rodopios, voltas e reviravoltas, a menina caiu tonta no chão como já era costume, mas esse dia foi especial,depois desse dia nada mais foi como era antes.
Procurou a doçura do mundo e não a encontrou.
Procurou o mundo e o mundo inteiro parecia não estar lá.
Apenas uma densa sombra cinzenta a envolvia escondendo-a de tudo e escondendo tudo dela.
Viu a sombra estender-lhe um dos seus enormes braços, agarrá-la com uma das suas enormes garras, sorrir-lhe com um assombroso sorriso e dizer-lhe:
Anda menina, vamos continuar a brincar!
Teve medo.
Estava perdida.
Estava sozinha.
Não sabia do sorriso.
Não conseguia ver as cores.
Não encontrava o mundo.
Junto de si apenas o medo.
Olhou o medo nos olhos e pela primeira vez teve medo.
O medo, agora, era grande.
Enorme.
Gigantesco.
Muito maior do que ela.
O medo era um gigante e ela era muito pequena.
De brisa suave ele tinha passado a ventania e rodeava-a com seus longos braços estreitando-a num abraço assustadoramente protector, enquanto rodava em volta dela mais rápido do que alguma vez tinham rodado juntos.
Já não rodava com ela.
Rodava com ela dentro dele.
O medo agora metia medo!
Pobre menina coberta de medo!
Pobre menina, escondida do mundo, distante de tudo.
Viveram muito tempo juntos.A menina e o medo, a menina com medo, o medo com menina..
Ele apertando-a nos braços longos.
Ela sufocada nos longos braços dele.
Mas muito, pouco, sempre ou nunca não são tempos dos nossos tempos, são crenças de outros tempos, belas mas distantes... ainda assim, e mesmo que digam que não, há sempre o tempo das borboletas.
Tontas, alegres, coloridas, pousando aqui e ali alheias ao tempo e aos tempos e no entanto plenas de vida.
Uma enorme borboleta, verde e amarela, entrou esvoaçando dentro do medo e foi pousar mesmo na ponta do nariz da menina.
A menina achou-lhe graça.
Não via nada a não ser o medo há tanto tempo que a graça se transformou em deslumbre quando viu a borboleta voar.
Não pensou.
Não hesitou.
A borboleta voou e a menina foi atrás.
Correu encantada atrás da borboleta verde e amarela e só parou quando deu por ela rodeada de muitas borboletas coloridas, eram tantas e de tantas e de tantas cores que se sentiu rodeada de todas as cores que as cores podem ter.
Olhou em volta e percebeu que se tinha afastado muito do medo mas ainda o via, lá longe, esticando os longos braços ,tentando alcançá-la. Ainda o escutava, num gemido distante chamando por ela.
Ignorou o medo.
Sabia que ele iria continuar a esperar por ela.
Voltou-lhe as costas.
Deixou o olhar vadiar pousando-o ora aqui ora ali bebendo sôfrega a beleza das coisas.
Por fim começou a dançar, saltar e correr atrás das borboletas.
Distraída esqueceu o medo.
Chegara o tempo das borboletas.



A menina ficou longe do medo a brincar.
E eu, com medo que o tempo me fuja, entro noutro tempo e brinco também.
Brinco de menina e invento-me rainha das borboletas.
Chegou o tempo das borboletas, sabiam?


Isabel

41 Comments:

Blogger Maria said...

Já tinha dado por isso....
Que essa borboleta verde e amarela te coroe de rainha no país das cores e onde todas as borboletas dançam....
... porque apesar de tudo amam a vida!

Beijinhos, Isabel

terça-feira, janeiro 22, 2008  
Blogger Eremit@ said...

em mim também se fez um silêncio...
tens uma nomeação no meu Eremitério.
Fraterno abraço

terça-feira, janeiro 22, 2008  
Blogger bettips said...

A TUA borboleta é nova e forte.
Encontrará uma flor sem medo, destemida.
Que a voz da flor e a cor do vôo te guiem, Isabel querida.
Cem olhos maus se ceguem e sequem.
E com olhos/palavras voltes.
A voar.
Bj

quarta-feira, janeiro 23, 2008  
Blogger isabel mendes ferreira said...

i.


lembras do tal sorriso?


____________"bora" lá...

beijos. esvoaçantes. mas firmes.

quem sabe o finito não se transforma em infinito?

_______________...

quinta-feira, janeiro 24, 2008  
Blogger hfm said...

Vamos à procura das borboletas sem medo.

quinta-feira, janeiro 24, 2008  
Blogger Ana Maria Costa said...

Que a menina continue sempre viva em ti...borboleta de infinitos vôos...
Grande abraço!

quinta-feira, janeiro 24, 2008  
Blogger un dress said...

procuro borboletas sem procurar

sabia às vezes que chegavam de noite muito brancas

escorriam louvores

e sorriam tonteiras.

aprendiam

lentamente ~

a cheirar as mimosas

recém acordadas




:)beijO de borboleta

quinta-feira, janeiro 24, 2008  
Blogger Manuel Veiga said...

uma bela e comovente "estória" com medo dentro. e de borboletas colorida.

li de um fôlego, completamente apanhado pelo ritmo.

quinta-feira, janeiro 24, 2008  
Blogger Maria Laura said...

Segue as borboletas, sim! E deixa o medo para trás. Há uma frase neste texto que guardo porque sei que é totalmente verdade:
"A doçura por ser tão doce é o mais terrível dos venenos, lento, suave, morno e deliciosamente letal.."
Um texto fantástico, mas costumam ser assim, não é? :))

sexta-feira, janeiro 25, 2008  
Blogger Elvira Carvalho said...

Um texto muito bom Isabel. Cheio de sentimento. O medo é assim. Chega de mansinho, quase sem se sentir, e vai crescendo até engolir tudo à sua volta. Bom que a menina, voou com as boprboletas.
Bom que a menina esqueceu o medo.
E eu desejo que a menina, seja muito feliz, e se perca de felicidade em lindos jardins cheios de flores e borboletas.
Um abraço
Bom fim de semana

sexta-feira, janeiro 25, 2008  
Blogger ~pi said...

fffffffffffffff e a borboleta pousou: em ti! :)

sábado, janeiro 26, 2008  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Querida Isabel, tambéu deixei um dia o medo a chorar...e segui o meu caminho. Sem okhar para trás.

Umbeijo


CSD

sábado, janeiro 26, 2008  
Blogger as velas ardem ate ao fim said...

Chegou o teu tempo, sabias???

és linda!

bjo

sábado, janeiro 26, 2008  
Blogger Gi said...

Nota-se que chegou o tempo delas.
Sente-se a sua leveza nas tuas palavras, a beleza das tuas ideias, a transpar~encia da tua mensagem.

Gostei.

Um beijo soprado nas asas de uma borboleta

domingo, janeiro 27, 2008  
Blogger Haddock said...

Isabel, para quem, como eu, te lê há já muitos postais, sabe bem voltar aqui. há sempre um momento de identificação e cada vez mais luz.

abraço!

domingo, janeiro 27, 2008  
Blogger jorge esteves said...

Nunca tinha reparado tão bem nas cores de uma borboleta!...

abraço!

domingo, janeiro 27, 2008  
Blogger Brain said...

Isabel,

A ausência foi prolongada.

E,
Podem haver grandes diferenças,
Na forma de encarar,
Na forma de viver,
Até na forma de escrever.

Mas a qualidade...
Essa é a de sempre e a que sempre nos habituaste!

E porque em ti,
Vive um mundo de letras,
De qualidade sem igual,
Esvoaça por aí,
Livre de todos os possíveis medos,
Mas não deixes,
Nunca,
De deixar cair sobre nós,
O teu excelente,
Mar de Letras!

Um (sentido) Beijo meu.

segunda-feira, janeiro 28, 2008  
Blogger A.Tapadinhas said...

"Procuro as cores da minha nova voz", é uma imagem cheia de beleza que se pode traduzir nas cores frágeis, efémeras, das borboletas, ou dos seres que nos habitam, que nos formam e transformam...
Não sabia... Sê bem-vinda!
António

segunda-feira, janeiro 28, 2008  
Blogger Jo said...

gosto do tempo das borboletas...
:)
beijos sem medo!

segunda-feira, janeiro 28, 2008  
Blogger António Melenas said...

Querida Isabel
Mais um dos teus espantosos textos!,Já tinha saudades de te ler e dexte gostei particularmente, pois além da beleza da escrita nele se adivinha uma como que ressureição.
Oxalá que sim, que para ti tenha chegado o tempo dsa borboletas. porque o tempo do medo, que chega sem ser convidado e quando menos se espera - é terrível.
é devastador.
Fica-te com as borboletas. Eu ainda as não encotrei.
Beijo

segunda-feira, janeiro 28, 2008  
Blogger Walmir Lima said...

Fantástico texto e sensibilidade, prezada Isabel!
Da borboleta, símbolo da bela natureza.
Voltarei sempre para conhecer teu Blog, que já adorei, logo no começo.
Um Beijo
Walmir

segunda-feira, janeiro 28, 2008  
Blogger Alberto Oliveira said...

... um regresso esvoaçante e cromaticamente poético: o das borboletas que aqui nos trouxeste em palavras-com-asas. A Primavera ainda vem longe, mas este texto bem pode ser o seu prelúdio...

beijos.

segunda-feira, janeiro 28, 2008  
Blogger uivomania said...

Que nem um golpe de asa se perca, por causa do medo.
O medo esbraceja, clama por nós... mas na verdade, existem sempre as borboletas que esvoaçam medo adentro.

terça-feira, janeiro 29, 2008  
Blogger Elsa Sequeira said...

Linda!!

Como é bom ler-te e sentir uma água límpoda e cristalina nas tuas palavras...fico contente!!!!
Tenho saudades tuas!!
Muita força pa ti!
beijinhossss

quinta-feira, janeiro 31, 2008  
Blogger isabel mendes ferreira said...

b
e
i
j
o
_____________.


esvoaçante.



que chegue.

a ti!!!!

quinta-feira, janeiro 31, 2008  
Blogger suruka said...

ola ISABEL.
Cheguei por acaso.
Interesso-me por tudo que seja do reino ANIMAL.
NAO SABIA QUE CHEGOU O TEMPO DAS BORBOLETAS.

INTERESSANTE O TEU BLOG.
E CURIOSO TENHO UM BLOG DESDE MARÇO DE 2007, EXACATAMENTE COM O TITULO " ESTADOS D`ALMA ".
Por acaso está meio inactivo.

Voltarei com mais calma para ler-te sim?

BJS

quinta-feira, janeiro 31, 2008  
Blogger Capitão-Mor said...

Que belo texto!!!!
Hoje escrevi um pequeno guia para quem pretende viver no Brasil. Espero que o possas aproveitar...
Abraço

quinta-feira, janeiro 31, 2008  
Blogger O Profeta said...

Olá Isabel,que bom ter-te conoosco, já tinahas saudades dos teus maravilhosos escritos...falas em medos em coisas complicadas, estamos preocupados contigo...vem passar uns dias aqui à ilha...sabes que tens casa e simpatia...


Doce beijo

quinta-feira, janeiro 31, 2008  
Blogger isabel mendes ferreira said...

tb inventei. Um. outro. deus.


que voe até à esperança.



__________________


obrigada I*****.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008  
Blogger Capitão-Mor said...

pmsferreira32@gmail.com

ou

MSN: pmsferreira@aeiou.pt

sexta-feira, fevereiro 01, 2008  
Blogger ROSASIVENTOS said...

preciso e sempre único

o tempo das borboletas.

o seu

exacto

momento.

domingo, fevereiro 03, 2008  
Blogger jawaa said...

Bom sinal o tempo não chegar para muita escrita por aqui.
Continuas uma linda borboleta.
Um abraço

domingo, fevereiro 03, 2008  
Blogger bettips said...

Olá, minha mariposa.
Minha mimosa.
Espero que estes dias tenhas (nham) sossegado com algo de bom e bonito, tipo "ericeira"...
Beijinhos

segunda-feira, fevereiro 04, 2008  
Blogger eu said...

parece impossível!, como ousasteis ir falar ao capitão haddock em arroz de cabidela?

estou muito zangada...


D. Galinha

segunda-feira, fevereiro 04, 2008  
Blogger david santos said...

Olá, Isabel.
Então uma mariposa!?
Bela postagem.
Parabéns.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008  
Blogger isabel mendes ferreira said...

venho saber de ti....****!




__________________

beijo.te.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008  
Blogger Pierrot said...

Não, por acaso nao fazia ideia...
Seja como for, é sempre tempo de escreveres mais qualquer coisa e encatar-nos com isso.
Gostei do tema opis não me recordo de o ler em lado algum.
Bjos daqui
Pierrot

quinta-feira, fevereiro 07, 2008  
Blogger isabel mendes ferreira said...

boa noite I. de estrelas.


dorme bem.


até amanhã.


deixo um beijo à tua porta.

________.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008  
Blogger bettips said...

Eu sei, vou-te bordejando e acenando.
Tu sabes que me preocupo e faço todas as figas por ti!
Beijinhos

domingo, fevereiro 10, 2008  
Blogger isabel mendes ferreira said...

I...?



....diz.me.


.

***

terça-feira, fevereiro 12, 2008  
Blogger isabel mendes ferreira said...

obrigada.~~~










por me dizeres.


beijo***.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008  

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