Gaivotas
As gaivotas que me ensinaram a voar
Há dias em que algo me roí cá por dentro.
Há dias em que este roer faz um barulho ensurdecedor.
Há dias em que este roí aqui, roí ali, começa por ser uma moinha e acaba por se tornar numa dor quase insuportável.
Nesses dias agito as minhas asas.
Primeiro me recordar que sei voar.
Depois de avivada a memória é simples: Voo.
Voo.
Voo por ai.
Hoje vou voar até que as asas me doam.
Ultimamente tenho pensado muito nos inícios e nos fins.
Em como os inícios são consequência directa ou indirecta de um fim que o antecedeu.
Em como os fins dão origem a inícios.
Deixo a mente recuar à minha infância.
Gosto destas memórias de miúda.
Gosto da sensação de calor, conforto e protecção em que me envolvem.
Muitas não são memórias minhas.
Eu era demasiado pequena para me lembrar.
São memórias de memórias de minha mãe.
Há dias em que este roer faz um barulho ensurdecedor.
Há dias em que este roí aqui, roí ali, começa por ser uma moinha e acaba por se tornar numa dor quase insuportável.
Nesses dias agito as minhas asas.
Primeiro me recordar que sei voar.
Depois de avivada a memória é simples: Voo.
Voo.
Voo por ai.
Hoje vou voar até que as asas me doam.
Ultimamente tenho pensado muito nos inícios e nos fins.
Em como os inícios são consequência directa ou indirecta de um fim que o antecedeu.
Em como os fins dão origem a inícios.
Deixo a mente recuar à minha infância.
Gosto destas memórias de miúda.
Gosto da sensação de calor, conforto e protecção em que me envolvem.
Muitas não são memórias minhas.
Eu era demasiado pequena para me lembrar.
São memórias de memórias de minha mãe.
Memórias que com carinho ela guardou para um dia me contar.
Contou-me que um dia me levou a Cacilhas e parámos junto ao cais para eu poder ver os barcos e o rio.
Eu era ainda muito pequenina. Não sei precisar a idade mas diz a minha mãe que ainda tinha dificuldade em construir as frases.
Lá ficámos olhando o rio.
Eu com os olhos muito abertos absorvendo toda a paisagem.
Contou-me que um dia me levou a Cacilhas e parámos junto ao cais para eu poder ver os barcos e o rio.
Eu era ainda muito pequenina. Não sei precisar a idade mas diz a minha mãe que ainda tinha dificuldade em construir as frases.
Lá ficámos olhando o rio.
Eu com os olhos muito abertos absorvendo toda a paisagem.
Ela segurando a minha mão
Desse dia, na minha memória, ficou apenas algo parecido com uma sensação de liberdade na alma, julgo que provocada pela visão da água e das gaivotas esvoaçando como se partilhassem o céu e o mar.
Tudo o resto me contou minha mãe com um brilhozinho de orgulho no olhar.
Contou-me que em silêncio me dediquei a absorver sofregamente tudo o que me rodeava.
Como se sorvesse a paisagem em largos tragos.
Depois puxei-lhe pela saia e disse.
Desse dia, na minha memória, ficou apenas algo parecido com uma sensação de liberdade na alma, julgo que provocada pela visão da água e das gaivotas esvoaçando como se partilhassem o céu e o mar.
Tudo o resto me contou minha mãe com um brilhozinho de orgulho no olhar.
Contou-me que em silêncio me dediquei a absorver sofregamente tudo o que me rodeava.
Como se sorvesse a paisagem em largos tragos.
Depois puxei-lhe pela saia e disse.
- As gaivotas abrem uma porta para o mar!
Olhou-me inchada de espanto e nunca mais se esqueceu deste episódio.
Nem se esqueceu de mo contar.
Estranhamente, ou não parece ter sido uma das minhas primeiras frases completas:
Estranhamente, ou não parece ter sido uma das minhas primeiras frases completas:
- As gaivotas abrem uma porta para o mar!
Esse dia foi um dia de início.
Creio, ter sido o dia em que ganhei asas.
Quis voar, seguindo as gaivotas.
Quis acompanhá-las abrindo portas.
Quis tanto, que ganhei asas.
Ganhei asas e voei.
Foi o meu primeiro voo a solo.
Sem mãe nem pai.
Só eu as gaivotas sobrevoando o rio.
Foi o início de muitos voos.
Esse dia foi tambem um dia de fim.
Fim do meu tempo integralmente passado no ninho.
Passei a ir e vir.
Ora ia, abrindo as asas ainda pequenas, até onde a curiosidade e a alma já esfomeada me levavam.
Ora vinha, cansada, feliz, buscando calor, alimento, protecção.
Com o tempo os regressos foram-se reduzindo.
Com o tempo foram-se também tornando mais curto o tempo de estadia no ninho.
Regressava quando me faltava a força nas asas.
Fim do meu tempo integralmente passado no ninho.
Passei a ir e vir.
Ora ia, abrindo as asas ainda pequenas, até onde a curiosidade e a alma já esfomeada me levavam.
Ora vinha, cansada, feliz, buscando calor, alimento, protecção.
Com o tempo os regressos foram-se reduzindo.
Com o tempo foram-se também tornando mais curto o tempo de estadia no ninho.
Regressava quando me faltava a força nas asas.
E ficava até a recuperar.
As asas tinham-se tornado maiores, mais robustas.
Eram fortes e enérgicas, ágeis.
Eram fortes e enérgicas, ágeis.
Movidas pela vontade de alcançar.
Movidas pelo desejo de conhecer.
Tornaram-se asas poderosas.
Queriam voar.
Voar.
Movidas pelo desejo de conhecer.
Tornaram-se asas poderosas.
Queriam voar.
Voar.
Simplesmente voar.
Naquele primeiro voo abrira portas para o mar.
Muitas mais quis abrir.
Muitas mais se abriram.
Abriram-se portas de mais mares
Abriram-se portas de caminhos
Abriram-se portas do pensamentos
Abriram-se portas do conhecimento
Abriram-se portas de coragem
Abriram-se portas de vontades
Abriram-se portas de ser
Abriram-se portas de permanecer
Abriram-se portas de encontrar
Abriram-se portas de amar
Abriram-se portas de dar
Abriram-se portas de partilhar
Abriram-se portas de gentes
Abriram-se portas de mundos
Muitas, muitas mais portas se abriram.
Nesse dia em que disse:
- As gaivotas abrem uma porta para o mar!
Nesse dia em que ganhei as primeiras asas.
Nesse dia em que fiz o primeiro voo.
Nesse dia em que abri a primeira porta: a do mar (que era rio e eu não sabia)
Nesse dia ainda desconhecia:
Que as portas também se fecham.
Que, nascer, voar, e morrer são os mais solitários dos actos.
Que enquanto o ninho existir, por mais fortes e poderosas que sejam as nossas asas, a ele regressaremos sempre, cada vez mais, buscando o mesmo que buscávamos quando as nossas pequenas e frágeis asas nos nasceram: calor, protecção, alimento, força e a saliva do amor incondicional lambendo-nos as feridas ganhas nas longas viagens.
- As gaivotas abrem uma porta para o mar!
As gaivotas ensinaram-me a voar.
A abrir portas.
A não ter medo da solidão.
E são apenas gaivotas.
Isabel
Miguel Afonso
25 Comments:
"As gaivotas abrem uma porta para o mar!" As portas nunca se fecham durante a nossa caminhada, pelo menos aquelas que são essenciais, pois aquelas que se fecharem durante a nossa caminhada é pk não mereciam que entrassemos nelas. Todas as portas estão abertas...Temos sim de saber escolher bem qual a mais indicada a transpôr!Beijo grande...Afinal já em criança tinhas o jeito único de surpreender quem te rodeava... :-)
"As gaivotas abrem uma porta para o mar"
E tu, Isabel, abriste tantas outras portas, mas tantas outras, que nem imaginas.
A mim, hoje, abriste-me uma porta.
Nem te digo qual foi...
Muito obrigada pelo texto.
Um grande beijo
Obrigado pela visita ao Oficina, certamente a recíproca será verdadeira.
Mas que belo texto, vejo nas gaivotas força inabalável e certamente a guardiã...dos teus ninhos como as portas...Lirismo e analogias.
Formoso como tú!
Abraços!
ainda agora estive a olhar o mar que servia de paisagem ás gaivotas que por ali dançavam...
lindo texto como sempre...
beijo vagabundo
Isabel – que lindo texto.
Felizes aqueles que sabem voar. Saudades do tempo em que voei, sem muita coragem para me afastar do ninho. Depois quando estava quase a atingir o mar, no infinito, onde mar e céu se confundem, quebrei uma asa e pior ainda, magoei sem querer outra gaivota e nunca mais voei…
Beijitos
Emprestas-me uma gaivota para me tirar daqui?
Preciso muito duma gaivota das tuas... Perdi as minhas.
Beijinhos :)
magnifico este voar....
digo eu tb "cancer".
______________________
que nunca se rASguem essas/estas asas.
isabel....tb....:))))
um beijo, li um triste, deixo um sorriso
Ó Isabel! Tu vais pôr-me ainda mais louco...
Aonde, meu Deus, aonde! Diz-me, Isabel! Tu de facto és extraordinária! Tu arranjas textos com uma facilidade e com tamanha categoria que é-me impossível descreve-los. Aonde arranjas tanta inspiração e tanta qualidade? É que perguntar onde, torna a palavra mais pequena e tu só mereces palavras grandes.
Parabéns, Isabel, muitos parabéns.
Os teus visitantes bem se podem orgulhar de ti.
Um grande abraço.
Sinceramente, é muito bom para qualquer alma ler os teus textos.
Até sempre
Para a gaivota que me abriu uma porta para o mar, o meu obrigada.
Um abraço
Essa gaivota que abre portas e sonhos e aventuras e fantasias nunca devia ir embora. Um optimo fim de semana alargado.
Que nunca percas a vontade de voar...
Beijos
As gaivotas são nossas companheiras no mar....
Vi a tua mensagem no meu espaço. Se precisas espairecer o teu olhar, clica em cima do "meu outro olhar", vai aos favoritos e clica nos links, tens momentos desses... como o Verão, Inverno...
Se não encontrares diz, eu mando-te o link...
Beijinhos
Aki está o link...
Favoritos, na coluna direita, tens alguns dos textos onde encontras um olhar no qual podes mergulhar e repousar em águas calmas. Espero que ajude a acalmar a dor.
Beijinhos
eu vou copiar-te o voar!
não que tenha adormecido as asas,
mas a tua porta me transporta ao céu do imaginário.
Eu adorei o teu voo, gaivota de asas pintadas da cor do céu.
Até...
As goivotas do rio....que são almas de meu coração...
Este pedaço de vida (é assim que chamo a teu texto...)quase que nos leva dentro dela...
Adorei
Um beijo
Paulo
Emocionei-me mesmo com este texto!!
Como eu admiro o constante bailado das gaivotas, gosto muito mesmo de as observar, fotografar, passo horas com a máquina em locais onde elas aparecem com muita frequência, onde escuto as melodias dos seus bailados.
Que tenhas muitos mais vôos. mas espero que não sejam tão solitários e amargurados como este.
Parabéns pelo texto, beijinhos e um bom fim de semana para ti.
Oh Isabel desculpa se toquei na tua sensibilidade ou te relembrei um momento doloroso.
MAs sim, pensa antes o quão agradável é um campo de girassois, com uma ligeira brisa e o quanto nos vamos abraçar e rir daqui a muitos anos quando nos encontrarmos por lá.
Mais uma vez perdoa-me.
Beijinho
(Acho que fui um pouco leviana neste post, desculpem)
Querida,
chorei ao ler este teu poema. As gaivotas dizem-me tanto. Costumo dizer: eu sou só uma gaivota que ainda não sabe voar.
Amei
beijinho e obrigada
Olha Isabel, tens uma escrita macia e terna, mesmo quando triste (Luisa). Desejo-te o fruir pleno da tua jovem idade, reconhecendo a beleza que encontras. À menina/gaivota bjinho
Quem nos abre uma porta para o mar merece a nossa gratidão!
Beijinhos à mãe da menina que achou que o mar tinha uma porta aberta pelas gaivotas...
Até sempre
Desculpa esta intromissão.
No meu blog, tenho uns chapelinhos muito bonitos, nos quais podes estar interessada.
Vai lá ver e fala comigo!
Eu também sou de uma família de voadores, ainda não voei porque ainda sou um filhote. Mas já como guela a baixo, já faço exercicios diários de voos, não vou muito longe porque, devido a pouca quantidade de penas que ainda tenho, doe-me muito o bater dos osssos com a carne.
Nos meus planos daqui a uns quinze a vinte dias já estarei me virando, por ai, enchendo o saco de minha mãe, querendo ainda comer no bico.
Bonito o teu texto, linda a tua poesia!
Um beijo
Naeno
Eu também sou de uma família de voadores, ainda não voei porque ainda sou um filhote. Mas já como guela a baixo, já faço exercicios diários de voos, não vou muito longe porque, devido a pouca quantidade de penas que ainda tenho, doe-me muito o bater dos osssos com a carne.
Nos meus planos daqui a uns quinze a vinte dias já estarei me virando, por ai, enchendo o saco de minha mãe, querendo ainda comer no bico.
Bonito o teu texto, linda a tua poesia!
Um beijo
Naeno
Ao pé de ti, sou apenas um pato...minhas asas pequenas não me deixam voar como as gaivotas...mas delicio-me a vê-las no ar...a bailar lá muito em cima...
Parabéns
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