sábado, outubro 28, 2006

Histórias de aprender e encantar

A minha amiga Carolina está a chegar, e vai ter mais uma das histórias que lhe escrevo à sua espera. Gostava que estas histórias que com muito cuidado e muito carinho lhe escrevo servissem para a divertir mas tambem que a ajudassem a crescer e contribuissem para a sua educação.
Para ti Carolina hoje uma história que te ensina a brincar com a pintura.
Carolina brinca com a pintura

A Carolina estava deitada na cama de boca aberta e olhos escancarados, completamente hipnotizada pelo que se passava dentro do televisor.
Via uma daquelas séries que viciava as crianças no hábito de passar demasiadas horas a ver televisão, fazendo-as perder tantas outras coisas maravilhosas. Sabia que tanto o pai como a Isabel não concordavam mas sabiam ser próprio da adolescência que já a espreitava piscando-lhe o olho atrevido. Sentia já por vezes um arrepio vindo não sabia bem de onde. Uma corrente de ar que a sua futura companheira adolescência deixava quando gargalhando lhe passava à frente a correr e voltava a fugir alegremente deixando atrás de si apenas aquele leve arrepio. A Carolina diz que é uma pré-adolescente e tem razão… ela sente que a adolescência já a anda a rondar, e anseia já pelo encontro com a futura amiga.
A concentração no televisor era total. De repente mesmo por cima do televisor apareceu a face sorridente da princesa Lia.
“Olá miúda que se passa dentro dessa horrível caixa cinzenta de tão interessante?” Dizia a Lia fazendo as habituais palhaçadas.
A Carolina começou a rir desviando os olhos do televisor.
“Olá Lia! Tás boa? Chegaste em boa hora, senta-te aqui a ver a minha série favorita comigo.” Sugeriu.
“Vocês aqui deste país são todas chonés não?” Dizia a Lia abanando a cabeça fazendo caretas, e apontando com o dedo indicador para a cabeça.
“Com tanto para ver e aprender com o mundo, com as pessoas, com os livros… ficam ai agarradas a essa caixa feia e quadrada horas e horas.”
“Olha para o dia lá fora, está um dia lindo de Inverno, frio mas sem chuva. Bom para vestir casacos quentinhos e ir beber um chá quentinho e umas fatias do teu bolo favorito e conversar com amigos não achas?”
“Anda dai tenho uns amigos que quero que venhas conhecer.”
“Mas… mas, eu…” principiava a Carolina.
“Deixa lá o “mas” e toca a mexer.” Disse energética a princesa já com o casaco grosso verde da Carolina numa mão e puxando-a com outra.
Como num passe de magia estavam em Naturália onde o dia estava igual. Um dia de Inverno, frio e ventoso.
Andaram um pouco enroladas nos seu casacos quentinhos até chegarem a uma casa linda e muito antiga mesmo por cima de um enorme lago. Em volta a floresta estava colorida em vários tons de verde e cinzento e as árvores abanavam dançando a música do vento. Patos e cisnes parecendo apreciar o frio nadavam e mergulhavam nas águas do lago e o seu grasnar misturado com o som do vento pareciam ser os únicos sons naquele mágico cenário.
A Carolina estava deslumbrada perante tamanha beleza.
“Lia isto é tão lindo!”
“É o sítio mais bonito que já vi.”
“Este sítio chamasse Vila dos Artistas. Porque muitos artistas vivem aqui ou veem aqui para se inspirarem. Deve ser o sítio mais bonito de Naturália.”
“Esta casa é a biblioteca e museu da vila, tem milhares de livros de todos os géneros e uma zona especial só para os livros de criança. Nas paredes estão quadros de muitos pintores e há sempre novas coisas para ver. Na zona das crianças também fazem imensas exposições giríssimas. Eu já tive muitos desenhos meus na exposição e adorei. E o melhor e que os artistas adultos vêem ver os nossos desenhos e pinturas e ensinam-nos coisas e dão conselhos.”
“Bué fixe! Que máximo! … Gostava que fosse assim lá onde eu vivo. O meu pai e a Isabel dizem que eu tenho jeito para pintar, gostava imenso que um pintor assim com exposições e tudo me dissesse o mesmo.” Disse a Carolina com ar sonhador e uma pontinha de orgulho a brilhar nos olhos.
“Pois é mesmo isso…aqui os mais novos podem aprender com os mais velhos e os mais velhos aprendem com os mais novos, entendes?” Perguntou a princesa.
“Hum… mais ou menos, não sabia que os mais velhos aprendiam com os mais novos.”
“Claro que sim!” Respondeu afirmativa a princesa Lia.
“Anda cá Carolina vem ver uma coisa.” Chamou.
Correu pelo corredor comprido com as paredes pintadas como estivessem cobertas de quadros de todos os géneros mas sem moldura nem tela. Eram quadros pintados directamente na parede.
No fim do corredor à direita estava uma sala muito ampla, o centro estava coberto de almofadas de aspecto confortável e fofo, e nas paredes quadros que pareciam retratar um mundo encantado.
“Senta-te aqui numa destas almofadas e olha à volta.” Pediu a princesa indicando as fofas almofadas com leves toques das suas delicadas mãos.
A Carolina atirou-se de imediato para uma almofada azul, sua cor favorita, observando tudo em seu redor, enquanto escutava a explicação da amiga.
“Estes quadros, são de um pintor de Naturália chamado Carlos Coloris, é muito famoso aqui sabias.”
“Uau! Lia, que espectáculo… são lindos! Parecem desenhos de criança pintados por adulto.” Dizia deslumbrada com a boca ainda mais aberta, com os olhos ainda mais escancarados do que quando olhava o televisor."
“Parecem mesmo desenhos de criança… sabes porquê? Porque este pintor pinta inspirado nos desenhos das crianças, por isso passa muitas, muitas horas connosco a conversar e a ver o que desenhamos e pintamos. Fixe não é?” Perguntou Lia contente por estar a ensinar à sua amiga mais uma coisa nova.
“Fixe não, é mais que fixe, é super fixe…” disse a Carolina rindo sentindo-se feliz.
“Apetece dançar e rodopiar a olhar para estas pinturas que parecem um mundo mágico não é Lia.” Perguntou emocionada.
“Não digas isso duas vezes!” Respondeu de imediato a alegre princesa erguendo-se de um salto.
“A menina dança?” Perguntou brincalhona enquanto estendia a mão curvando-se numa vénia.
“Podemos dançar aqui Lia? Não me parece, nestes sítios não costuma poder-se fazer barulho nem andar aos saltos.” Respondeu a Carolina aflita não querendo fazer asneiras.
“Aqui podemos. Desde que não seja demais para não perturbar as outras pessoas e desde que não se estrague nada."
“Cada pessoa deve poder sentir a Arte da sua forma própria não achas.”
“Claro que as crianças não sentem como os adultos, são crianças ora bolas!"
“Se temos vontade de dançar é porque os quadros são alegres e nos deixam felizes e isso é bom não achas?”
“Acho, claro!” disse a Carolina já rodopiando em volta das almofadas de braços e olhos abertos admirando os quadros que a rodeavam. Com o movimento as árvores as flores as montanhas os castelos pareciam ter passado a fazer parte da sala e as misteriosas criaturas pintadas na tela pareciam ter ganho vida. Era um momento mágico, como se estivessem a dançar dentro do mundo encantado que o pintor imaginara.
Por fim cansadas atiraram-se para as almofadas com um sorriso estampado no rosto.
Estendida numa cama de almofadas de todas as cores a Carolina disse baixinho como um segredo: “Não sabia que a arte podia ser tão divertida e nos deixava assim tão felizes. Que nos podia fazer dançar e brincar!”
“A arte Carolina é para ser vivida e sentida… sabes porque? Porque o artista faz o que vive e sente e quando expõe é por que quer partilhar isso connosco.” Disse a sua amiga princesa também baixinho não querendo quebrar o momento de segredo partilhado entre as duas.
“Achas que ele ficava contente de nos ver aqui a dançar no meio dos seus quadros?” Perguntou curiosa a Carolina.
“Ele ficou mesmo muito contente!” Respondeu uma voz rouca.
Olharam e junto à porta estava um homem de olhos muito azuis que as lágrimas de emoção tornavam imensamente brilhantes.
“Ele ficou muito contente!” Repetiu o homem.
“Eu sou o pintor desses quadros e nunca vi forma mais bela de ver a minha pintura do que aquela que acabei de assistir.”
“Vocês estiveram a brincar dentro desse mundo que eu pintei. Eu brinquei lá enquanto pintava e vocês fizeram o mesmo, não podiam ter-me deixado mais contente. A arte é para ser vivida e como crianças vocês viveram-na da melhor maneira. Brincando. Foi lindo. Deixaram – me muito contente. Obrigada.”
E misteriosamente saiu deixando as duas meninas de extasiadas sem dizer uma palavra.
“Nem acredito!” Disse a Carolina quando finalmente conseguiu falar.
“Era o Carlos Coloris!”
“Nunca o tinha visto assim tão emocionado. Nem lhe consegui dizer olá.” Disse a Lia comovida
“O meu pai vai ficar cheio de inveja, um dia trago cá o pai e a Isabel eles iam adorar.” A Carolina falava e na sua expressão havia um misto de deslumbramento, emoção e a euforia própria das crianças.
“Agora tenho de ir que já é tarde, acabamos por não lanchar nem conhecer os teus amigos.” Continuou.
“Não faz mal, fazemos isso quando cá voltares, eu sei que vais adorar. Mas hoje valeu a pena nãovaleu?” Perguntou a princesa ansiosa por uma resposta positiva.
“Se valeu Lia, foi o máximo! Adorei! Tu também és o máximo adoro aprender contigo.”
“Quando chegar a casa peço ao meu pai e a Isabel que me levem a um museu eles vão ficar espantados e muito contentes.”
“Boa.”
“Depois contas-me tudo!”
“ Adeus miúda, veste o casaco que está frio.” Disse a princesa de ajudando a amiga a vestir o casaco verde.
Adeus Lia, foi um dia espectacular! Respondeu a Carolina acenando alegremente
E zás, num ápice lá estava ela sentada na cama, mas não lhe apetecia ver televisão, apetecia-lhe correr para a sala e contar ao pai e à Isabel o sua última aventura.
Paiiiii!
Isabeeel!
Vocês vão-se roer de inveja quando ouvirem isto! Gritou correndo para a sala.

Isabel

"Sur la route du village"
Marc Chagall

13 Comments:

Blogger Embryotic SouL said...

Passei para te desejar um bom fim de semana...virei com mais tempo.

Um bj sentido

sábado, outubro 28, 2006  
Blogger Unknown said...

Que história mais encantadora!
Certamente a Carolina vai adorar.
Beijinhos

sábado, outubro 28, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Que lindo...Adorei! Obrigado por teres contribuido com um pouco de ti no meu cantinho!Bj grande no teu olhar! :) Bom domingo!

domingo, outubro 29, 2006  
Blogger Bruna Pereira Ferreira said...

Eu também gosto muito de contar estórias.
Continua a sonhar com letras!
Vale muito a pena.
:)

segunda-feira, outubro 30, 2006  
Blogger OLHAR VAGABUNDO said...

das histórias mais lindas que já li...emocionaste-me:)
beijo vagabundo

segunda-feira, outubro 30, 2006  
Blogger Titá said...

Encantadora.

Beijo e boa semana!

segunda-feira, outubro 30, 2006  
Blogger as velas ardem ate ao fim said...

Amei!
Não comento o que é genial.

Bjinhos

segunda-feira, outubro 30, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Encantada Isabel.
Volta sempre...se te sentes bem,volta...é teu aquele espaço e de todos os que se sentes em paz por lá.
Sei que por vezes é demasiado melancólico...mas acredita que todos os dias tento rir e lutar por ser feliz.
:)


Muito obrigada Isabel.
Vou estar mais vezes por cá.

segunda-feira, outubro 30, 2006  
Blogger Maria P. said...

Agradeço a visita à Casa de Maio, deixo a porta aberta...

E dou os parabéns a este Estados-de-Alma, interessante.

segunda-feira, outubro 30, 2006  
Blogger Luigi said...

Simplesmente maravilhoso. Gostei muito de ser transportado para Naturalia e para essa biblioteca, e sala das pinturas, deveras inspirador. E sabes que mais? gostaria que um dia tentasses publicar um livro infantil. De certo que não só as crianças ficariam felizes ao le-lo! Pensa nisso, pois acho que tens jeito.

Tenho a certeza que o meu sobrinho iria adorar conhecer esse mundo belo que descreveste

:)

Beijos com um sorriso pintado

terça-feira, outubro 31, 2006  
Anonymous Anónimo said...

"Sur la route..."






abraço!
_____________________

terça-feira, outubro 31, 2006  
Blogger Alberto Oliveira said...

... um dia destes -quando a Carolina crescer mais uns palmos e entrar numa galeria de arte, sem ser forçada mas porque aprecia, vai-se lembrar de ti. Aposto.

Bom feriado!

terça-feira, outubro 31, 2006  
Blogger Pierrot said...

A Carolina vai ser seguramente a pessoa mais bonita e feliz do mundo, conquanto que vá guardando algo das tuas lindissimas histórias.
Bjos daqui
Eugénio

terça-feira, outubro 31, 2006  

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