quinta-feira, setembro 07, 2006

As lembranças

Recebi hoje, aqui neste meu sitio um comentário de uma antiga colega de liceu e amiga.
Foi bom,
Veio-me à lembrança o turbilhão de descobertas que fazemos nessa altura, nos tempos de liceu.
A minha principal descoberta desses tempos:
o meu amor pelas palavras
foi nessa altura que as comecei a devorar
foi nessa altura que devorando tudo
fui percebendo que havia tanto
tanto para ler
tanto para aprender
que as palavras queriam dizer tanto
que eu nunca ia saber
importava ler
sempre ler
não parar de ler
não parar de ler nunca
A Aldina lia e cantava
lembro-me que já nessa altura
não parava de cantar
Cantava
Cantava
se um filme se fizesse
com as minhas memórias de liceu
A banda sonora
seria sempre
a voz melódica da Aldina
sempre sempre a cantar

pensando bem
que sorte eu tive
nessa altura da vida
quantos cineastas
gostariam de poder ter
essa voz nos seu filmes
eu é essa a voz que acompanha
as minhas memórias de liceu
que sorte eu tive

E as palavras...
o meu amor pelas palavras
nasceu
com a descoberta de Cesário Verde
O Grande Cesário Verde
foi o pai deste meu amor
que nasceu e cresceu em mim
e continua ainda a crescer
as palavras e os seus segredos
labirintos e mistérios
são infindos
Tambem este meu amor pelas palavras
não tem fim
acabará apenas com morte
e mesmo na morte
sei,
algo me diz
que tentarei com palavras
algo dizer ao meu amado... talvez apenas
seu nome
talvez apenas
amo-te
mas algo
sei,
algo me diz
tentarei dizer ao meu amado

Na minha campa quero um poema
carregado de amor às palavras
não precisa dizer nada
apenas
que se nada fui
pelo menos tentei ser
e se algo soube
esse algo
foi amar


Isabel

(Escolhi Cecilia Meireles e Cesário Verde para acompanharem estas minhas lenbranças e refleções, dois grandes poemas , para dois grandes poetas. E ainda "El baile de la Juventud"
do Grande Picasso)

É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada:

nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta

nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,

o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,

a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,

vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.


Cecilia Meireles(1962)


Contrariedades

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para sopas...
O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...
E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!
Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e, todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas?
Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!


Cesário Verde

El baile de la juventud
Picasso

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Zeca Baleiro - Flor Da Pele



Ando tão à flor da pele,
Que qualquer beijo de novela me faz chorar,
Ando tão à flor da pele,
Que teu olhar flor na janela me faz morrer,
Ando tão à flor da pele,
Que meu desejo se confunde com a vontade de não ser,
Ando tão à flor da pele,
Que a minha pele tem o fogo do juízo final.

Um barco sem porto,
Sem rumo,
Sem vela,
Cavalo sem sela,
Um bicho solto,
Um cão sem dono,
Um menino,
Um bandido,
Às vezes me preservo noutras suicido.

Às vezes me preservo noutras suicido.

Oh sim eu estou tão cansado,
Mas não pra dizer,
Que não acredito mais em você
Eu não preciso de muito dinheiro graças a Deus
Mas vou tomar aquele velho navio,
Aquele velho navio..

Um barco sem porto,
Sem rumo,
Sem vela,
Cavalo sem sela,
Um bicho solto,
Um cão sem dono,
Um menino,
Um bandido,
Às vezes me preservo noutras suicido.


Zeca Baleiro

conforme pedido cá está, beijos amore mio

sexta-feira, setembro 08, 2006  
Blogger Bruna Pereira Ferreira said...

Pois é.. Como doí lembrar.
Como é bom, faz sorrir, chorar, ter sonhos, ser mais, ter mais, querer ter mais e mais tempo... mas ele foge sempre...
Visita-me :-)

terça-feira, outubro 10, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Adorei o teu blog especialmete, as lembranas que me tras este teu poema. simplemente lindo.
Bjos
Luigi

sábado, fevereiro 03, 2007  

Enviar um comentário

<< Home