quarta-feira, outubro 04, 2006

A margem da alegria

Já o tenho
está nas minhas mãos… precisamente agora
estou à espera dele à mais de 1 mês
e agora está aqui
o livro tão esperado
tão desejado
“A margem da alegria” de Ruy Belo


Tenho uma relação de pele com os livros
pele, página, papel, pele
gosto de acariciar os livros que amo
porque há livros que amo
apetece-me fazer-lhes festas
folheá-los carinhosamente
pousar-lhes as mãos em cima
e deixar ficar
ali como se através do toque
pudesse chegar-lhe ainda mais fundo
como se através do meu calor
pudesse retribuir-lhe um pouco do que ele me dera.

Este livro é das coisas mais belas que já li
não posso deixar de aqui partilhar um pouco.

Este livro que é todo um único poema
Tem como base o gigantesco amor de Pedro e Inês
Mas Ruy Belo como se isso fosse pouco
Soube sábia e sentidamente
Transformá-lo em muito, muito mais
que a história de Pedro e Inês
e ainda, em muito, muito mais
que um poema…

Começa Ruy Belo por nos localizar
desta maneira no tempo, no espaço e até
nele próprio e numa forma própria de fazer poesia,
em que a critica social está sempre presente:
critica com beleza,
é cru sem ser obvio,
é duro, sem ser violento…
Tudo isto consegue neste livro assim…
Leiam devagar
vale a pena saborear cada palavra…


A margem da alegria (excertos)
I
quando as pessoas já eram mortais mas não o eram assim
excessivamente
e se reconheciam a si próprias nuns olhos alheios
e a sua pele humedecia e se tornava cada vez mais fina
sem deixar de ser pele, sem passar a ser cútis a não ser nos anúncios…

quando a estratégia do prazer era tão minuciosa e forte
que com a astúcia habitual da morte conspirava
mas sempre era possível a surpresa do prazer
independentemente da cíclica multiplicação das
represálias
como narrar à noite a última aventura desse dia
ou apenas falar de uns olhos onde havia a água da doçura
e á volta um rosto paciente e sereníssimo
bastante para alguns primeiros planos de um filme a preto
e branco
bastante para pensar que apenas para o ver valeu a pena
ter nascido
quando o mínimo gesto era um gesto criador
e as coisas começavam e o mundo sempre em simples sons
se descobria
quando ninguém ainda se movia na periferia da
necessidade ou da conveniência
e havia gigantescas tílias que nos davam sombra em troca
do cansaço
e a formosura das mulheres se notava até na violência
do silêncio
junto às folhas recentes das amigas amoreiras perto de
ameixieiras encarnadas
quando as àguas do mar eram ainda aguar sem medida
revolvidas
e não como hoje são domésticas e mansas
quando os homens viviam na intimidade da sensibilidade
e dilatavam
as narinas para aspirar profundamente o cheiro do suor
das mulheres quando após o esforço principia a
arrefecer
e todas as palavras eram relativamente novas e caíam
como pétalas
e não havia tantas tão miúdas minudências rodeando
os corpos…

Ruy Belo

Leio e releio este poema e este homem, esta pessoa, este poeta tem o dom de continuar sempre a fazer-me descobrir sempre mais um encanto escondido de forma maravilhosamente deliciosa entre as palavras e
sempre, sempre que o leio sinto-me tão pequenina.

Isabel


"Ireses"
Claude Monet

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Para Viver Um Grande Amor

vale a pena saborear cada palavra…
tua
e do Ruy Belo.

E estas são para ti.


Para Viver Um Grande Amor


Para viver um grande amor,
preciso é muita concentração e muito siso,
muita seriedade e pouco riso -
para viver um grande amor.

Para viver um grande amor,
mister é ser um homem de uma só mulher;
pois de muitas, poxa ! é de colher...
- não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor,
primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro
e ser de sua dama por inteiro
- seja lá como for.

Há que fazer do corpo uma morada
onde clausure-se a mulher amada
e postar-se de fora com uma espada
- para viver um grande amor.

Para viver um grande amor,
vos digo, é preciso atenção como o
"velho amigo ",
que porque é só vós quer sempre consigo para iludir o grande amor.

É preciso muitíssimo cuidado
com quem quer que não esteja muito apaixonado,
pois quem não está,
está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um grande amor,
na realidade, há que compenetrar-se da verdade
de que não existe amor sem fieldade
- para viver um grande amor.

Pois quem trai seu amor por uma vanidade
é desconhecedor da liberdade,
dessa imensa, indizível liberdade
que traz um só amor.

Para viver um grande amor, "il faut " ,
além de ser fiel,ser bem conhecedor
de arte culinária e judô -
para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito,
não basta ser apenas um bom sujeito;
é preciso também ter muito peito
- peito de remador.

É preciso olhar sempre a bem-amada
como a sua primeira namorada
e sua viúva também,
amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista
um crédito de rosas na florista
- muito mais, muito mais que na modista !
- para aprazer o grande amor.

Pois do que o grande amor quer saber mesmo,
é de amor, é de amor,
de amor a esmo;
depois, um tutuzinho com torresmo
conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas:
ovos mexidos, camarões, sopinhas,
molhos, estrogonofes
- comidinhas para depois do amor.

E o que há de melhor que ir pra cozinha
e preparar com amor uma galinha
com uma rica e gostosa farofinha,
para o seu grande amor ?

Para viver um grande amor é muito,
muito importante viver sempre junto
e até ser, se possível, um só defunto
- pra não morrer de amor.

É preciso um cuidado permanente
não só com o corpo mas também com a mente,
pois qualquer "baixo" seu,
a amada sente
- e esfria um pouco o amor.

Há que ser bem cortês sem cortesia;
doce e conciliador sem covardia;
saber ganhar dinheiro com poesia
- para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque
( com mau bebedor nunca se arrisque! )
e ser impermeável ao diz-que-diz-que
- que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada,
se nesta "selva oscura" e desvairada
não se souber achar a bem-amada
- para viver um grande amor.

Vinicius de Moraes



Com Mil beijos para o meu grande amor.
miguel

quarta-feira, outubro 04, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Hoje sou o primeiro. Eu adoro é cheirar os livros, fantástico. Bom feriado.

quarta-feira, outubro 04, 2006  
Blogger alice said...

obrigada, isabel, pelo teu convite para vir ler esta obra prima

a última vez que li ruy belo foi numa parede de uma rua de vila do conde, não sei se já tiveste essa oportunidade, um poema ali na rua, fantástico!

as tuas escolhas são sempre fabulosas, agradeço novamente

um beijo especial,

alice

quarta-feira, outubro 04, 2006  
Blogger veritas said...

olá Isabel!

Gosto muito de Ruy Belo e quero dizer-te que adoro os impressionistas, entre os quais Monet! Continua a regalar e a regalar-te. Bom feriado.

Bjs.

quarta-feira, outubro 04, 2006  
Blogger Rui said...

Obrigado pela partilha. É deveras magnifico.

(e obrigado)

quarta-feira, outubro 04, 2006  
Blogger Pierrot said...

E tens razão em sentir-te pequena, não por o seres mas porque o poema é de facto genial.
Esta óptimo, é um poço de ideias mesmo para outros poemas que daqui podem nascer.
Parabéns pela boa escolha.
Bjos daqui
Eugénio

quarta-feira, outubro 04, 2006  
Blogger Egrégora said...

É isso mesmo que as palavras fazem: servem-nos...

bj

quinta-feira, outubro 05, 2006  
Blogger Su said...

adorei estar aqui com as palavras de r.belo

jocas maradas

quinta-feira, outubro 05, 2006  
Blogger Aldina Duarte said...

Eu também me sinto incomensuravelmente pequenina!

Beijinho de até sempre!

quinta-feira, outubro 05, 2006  
Blogger Luigi said...

fantástica a ideia de Ruy Bello. Terei que procurar esse livro, agradeço a sugestão.
durante um ano tentei escrever uma história assim em poema, mudei de ideias, mas tenho a convicção que foi melhor assim
Procura no meu espaço uma surpresa...

baci per te

quinta-feira, outubro 05, 2006  
Blogger inBluesY said...

esse carinho é tocante, muito Isabel, em certas coisas gosto como descreves até sentir-me assim pequena pequenina mais que o habitual :)

não conheço, mas vou deliciar com calma e procurar.

sexta-feira, outubro 06, 2006  
Blogger R.Joanna said...

Grande post :)

(desculpa a invasão)

quinta-feira, dezembro 27, 2007  

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