terça-feira, outubro 30, 2007

O SORRISO DA LUA


O Miguel Figueiredo compôs a música e criou o vídeo.

A voz e som são do Miguel Figueiredo.

As imagens utilizadas são de Arraial d´Ajuda e Trancoso, na Bahia, Brasil, o nosso paraíso ( meu e dele).

Esta música foi criada para mim e é com um carinho muito especial que a partilho com vocês aqui.

Um sorriso cheio de amor para ti Miguel.

Um sorriso cheio de luz para todos os que aqui vierem partilhar connosco o Sorriso da "nossa" lua.

Isabel

segunda-feira, outubro 22, 2007

Desculpa

Procuro uma forma de escrever sobre ele.
Não importa que seja belo.
Não interessa se é tocante.
Não busco a originalidade.
Queria apenas conseguir escrever sobre ele com decência.
Algo decente.
Algo dignificante.
Como ele merece.
E não teve.
Ele foi o único digno e decente naquele dia.
Era hora de almoço, dia de semana, centro de Lisboa.
Estava calor e brilhava o sol de Outono.
Tudo parecia bonito.
Era apenas agitação habitual das horas de almoço mas nesse dia, por o dia estar especialmente bonito, as pessoas pareciam particularmente alegres e bem dispostas.
Há minha volta tudo eram sorrisos.
No meio de todos estes sorrisos apressados, estava ele.
No meio de todos nós, formiguinhas agitadas buscando alimento, estava ele.
Deitado no chão, todo enroladinho, com um braço debaixo da cabeça para suavizar a dureza do chão.
Dormia.
Dormia profundamente no meio do passeio.
Literalmente no meio.
Ele e as laranjas.
Havia laranjas, abertas a meio e chupadas até à casca, deitadas ao lado dele no passeio.
Pareciam ali estar para embelezar o cenário.
Imaginei-o sentado no chão, cansado, com sono, com fome, com sede, com calor, agarrado ás laranjas, chupando-as sofregamente, buscando-lhes a doçura, a frescura, o conforto no estômago e na alma que iriam ajudar a adormecer.
Não sei se foi como eu imaginei.
Mas sei que ele dormia ali no meio do passeio e parecia em paz.
Imaginei-o durante a noite deambulando pelas ruas pensando em dormir, imaginei-o ainda pouco familiarizado com a sua situação sem saber para onde encostar, imaginei-o a tentar várias vezes em vários sítios sem nunca se sentir seguro, sem nunca conseguir encontrar um canto onde descansar os ossos por não conseguir descansar a mente.
Imaginei-o a falar para dentro, a tentar acalmar-se, a dizer a si mesmo que já era altura de se habituar, que o dia estava quase a nascer, que parecia ir estar bom tempo, que as ruas iam estar cheias de gente, que o iam olhar e não os sabia ainda ignorar.
Imaginei-o a pensar que se ao menos não tivesse tanta fome talvez fosse mais fácil, tinha de aprender a controlar o medo da fome, ia ter fome muitas vezes daí para a frente enquanto não aprendia a desenrascar-se melhor.
Imaginei-o na dúvida se deveria comer as suas duas últimas laranjas ou deveria continuar a guardá-las para quando a dor no estômago fosse insuportável, ainda tinha vergonha de pedir, ainda se encolhia perante os olhares curiosos, ainda estupidamente sentia que deveria pedir desculpa por estragar a paisagem com a sua imagem pobre e triste.
Imaginei-o a recordar a sensação de ter cama e a perguntar a si mesmo como era possível uns dias apenas sem cama lhe parecerem uma eternidade?
Imaginei-o a lembrar que um tecto e umas paredes na hora do sono o faziam sentir seguro e protegido.
Imaginei que a sua a angustia não se deixava vencer pelo cansaço e por mais que tentasse dormir não conseguia.
Imaginei que não tinha sido o álcool, nem as drogas, nem o jogo, nem a doença a leva-lo naquele dia, aquele passeio.Imaginei algo bem mais simples, pobreza simplesmente!
Imaginei-o sem emprego e sem dinheiro sem uma família e sem amigos para ajudar num mundo com tanto de belo como de cão.
Imaginei-o a perder as primeiras coisas, a vender os primeiros móveis, a TV, o rádio do carro, o carro.
Imaginei-o já sem outra solução senão perder também a casa e sem ter para onde ir.
Que faz um homem quando isto acontece?
Que faz um homem quando isto acontece, meus senhores?
Alguém me diz?
Ouçam!
Escutem-me, respondam-me!
Que faz um homem quando isto acontece?
È que acontece mesmo.
Acontece.
Eu sei.
Eu vi.
Não sei se foi como imaginei mas sei que acontece.
Eu vi.
Que faz um homem quando lhe acontece a ele?
Ele não soube o que fazer, comeu as laranjas e acabou por adormecer exausto à hora de almoço num passeio bem iluminado nas avenidas novas de Lisboa no meio de dezenas de formiguinhas atarefadas e sorridentes.
Eu era uma delas.
Tristemente.
Envergonho-me disso.
Olhei-o, pensei no quanto devia estar cansado para ter adormecido num lugar tão pouco acolhedor, memorizei a sua imagem acompanhado das laranjas e tal e qual como todos os outros segui o meu caminho.
Segui caminho como fizeram todos os outros.
Segui mas perturbada.
Uns metros à frente, telefonei ao meu amor do meu telefone de marca e disse-lhe que me sentia mal por tê-lo feito.
Achei que até podia estar morto e eu não tinha parado para ver, para me certificar que estava bem.
Que raio de monstrinho era eu?
No que é que me tinha tornado?
A voz segura e carinhosa no telefone dizendo-me que ele estava bem com certeza e estaria apenas a dormir não foi suficiente para me descansar.
A imagem dele e das suas laranjas não me saia da cabeça.
A visão de mim, seguindo as outras formigas tão monstruosas como eu sem sair do carreirinho para ao menos lhe tocar no ombro e perguntar se estava bem, perturbava-me.
Não o quis acordar é verdade, quis preservar o seu sono que imaginei ter sido difícil de alcançar mas isso não chega para justificar não ter sequer parado.
Como podemos nós ter-nos tornado nisto?
Que mundo é este e que seres estranhos o habitam.
Um homem aparentemente adormecido no meio do passeio à hora de almoço acompanhado por laranjas bem laranjas ajudando a dar cor à desgraça e ninguém pára para ver se ele está bem?
Porquê?
Não sei explicar porque não parei.
Sei que não o fiz.
Sei que isto se passou na semana passada e não consigo deixar de pensar nele, não consigo afastar a sua imagem, não consigo parar de me perguntar porque não parei.
Nesse dia quando regressei pelo mesmo caminho ele já lá não estava.
Olhei à volta para ver se o encontrava por perto mas ele tinha partido.
Não voltei a vê-lo e não vou esquecê-lo nunca.
Falei dele várias vezes depois disso e prometi a mim mesma que iria escrever sobre ele.
Iria pelo menos dedicar-lhe esse tempo da minha vida.
Estou aqui a escrever sobre ele.
Com decência.
Com a decência e o carinho que ele merecia e não lhe soube dar naquele dia.
Fui indecentemente fria.
Estou a ser decente e carinhosa agora.
Escrevo com toda a decência que me é possível encontrar nas palavras.
Escrevo com todo o carinho, com todo o carinho que encontrei no meu coração.
Escrevo com vergonha, uma vergonha que quero aqui assumir perante vós.
Escrevo com arrependimento tentando perdoar-me.
Escrevo com esperança de nunca mais seguir o meu caminho sem parar quando alguém pode precisar de ajuda.
Há que parar.
Há que olhar à volta.
Há que não inventar desculpas.
Há que estar atento.
Há que ajudar.
O mundo somos nós que o fazemos esta é a verdade.
O mundo não é cão como tantas vezes lhe chamamos, se fosse cão seria bem melhor.
O mundo é assim porque nós o fazemos assim.
O que faz um homem quando isto lhe acontece?
A sério.
Pensem.
O que sente um homem quando isto acontece?
O que faz?
Eu não sei.
Tenho uma certeza.
Gostava que alguém parasse por mim.
Gostava que alguém se desviasse do caminho por mim.
Gostava que alguém me estendesse a mão.
Eu não o fiz nesse dia.
Vou fazer daqui para a frente.
Façam também!


Isabel


Para o homem das laranjas com um pedido de desculpas.

Fotografia da minha querida Bettips
Façam de conta que são laranjas... para mim são!

quarta-feira, outubro 17, 2007

IDENTIDADE

Tenho uma amiga que tem um gato

o gato era de uma amiga dela

agora é dela



Corrigindo










Sou amiga de
uma pessoa que tem um gato a viver em casa dela
o gato antes vivia em casa de outra pessoa
agora vive com ela


Os gatos não são de ninguém
Não tem dono
Não pertencem




Os gatos

são







livres



a primeira pessoa com quem esse gato viveu
chamou-lhe D. Bonifácio

a pessoa de quem falo

mudou-lhe o nome
chamou-lhe Bono



corrigindo






os gatos não têm nome
os gatos não têm apelido


Os gatos
têm uma identidade

natural
intransmissível
indestrutível
inalterável
incorruptível
eterna
constante
permanente


a
identidade
de
simplesmente
serem
o
que
são:


GATOS





NÃO
DEVERERIAMOS
NÓS
ANTES
DE ...


todas as falsas identidades que criamos, nomes, apelidos, apelido do pai, apelido da mãe, apelido do marido, apelido da mulher, Sr., Sr.ª., menino, menina, Vossa Ex.ª, Dr., Dr.ª, Professor Doutor, Professora Doutora, Eng.º, Eng.ª, Major, Coronel, Comandante, Sr. Director, Sr.ª Directora etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc.


SALVAGURDAR

A
NOSSA
IDENTIDADE
DE
SERMOS

O

QUE

SOMOS:


PESSOAS

segunda-feira, outubro 15, 2007

Um simples poema de amor



Para o Miguel:

Vamos fugir meu amor
vamos para onde o tempo
não tenha hora certa
para onde o tempo
não tenha tempo
nem envelheça
nem fique mais novo
vá passando apenas
a rebolar
a rebolar
a rebolar

vamos fugir meu amor
para onde há peixe fresco e gente boa
uma pescaria no mar da vida
de peixe e amigos do peito
pró o peixe ainda não sei o é preciso
prós amigos basta um sorriso
e pode até ser sem jeito

vamos fugir meu amor
para onde o cansaço seja no corpo
respirar não nos faça sufocar
e este peso que ainda me consome
lá longe não mais me tome

vamos
vamos fugir meu amor
vai aprender a pescar
leva-me contigo
ou traz-me um balde
encarnado
de peixe carregado
vem a cantar no caminho
grita por mim logo à porta
berra por mim da cozinha
anda daí, oh alma minha
por fim chega perto
lambe o meu ouvido
e sussurra baixinho: vem
e eu vou

vou
porque não estou nem cansada
nem amargurada
estou apaixonada
e isso

é bom

vou
porque não estou nem triste
nem sofrida
e amanhar peixe contigo na cozinha
sso sim é que é vida!

Isabel

Nota:Este poema é inspirado num poema que me maravilhou mas pincipalmente é inspirado no amor que tenho pelo meu amor.
Aqui fica o tal poema.
Maravilhem-se!
Maravilhem-se também com a música que o Miguel fez para mim. Basta ir aos comentários, clicar em Miguel e já está o meu amor canta para mim e para voçês.




Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Adélia Prado




Praia de Rio da Barra
Arraial da Ajuda