terça-feira, outubro 31, 2006

Sonho universal

Cântico
Deitada numa cama de luar
Por um manto de estrelas coberta
Cansada, descansei adormeci

sonhei partir à descoberta
de novos mundos novos seres
novos pensares novos dizeres

mundos de maõs abertas
braços de abraçar
seres de olhar inteiro
coração de amar
pensares de liberdade
desejo de alcançar
dizeres de mudança
vontade de partilhar

Sonhei tanto inovar, criar recomeçar
sonhei um mundo novo a este mundo trazer
sob a forma dum doce cântico
este mundo adormecido acordar
e acordado faze-lo viver

a sonhar
cai no mar
no mar fiz-me sereia
mergulhei nadei descobri
e depois de tudo que vi
sentei-me numa rocha a cantar
( a sereia assim cantou)
Mais do que existir
viver
mais do que tocar
sentir

mais do que olhar
observar
mais do que escutar
ouvir

mais do que ouvir
compreender
mais do pensar
interiorizar

mais do que falar
comunicar

mais do que saber
ensinar

mais do que fazer
agir
mais do que gostar
amar

mais do que viver
amar desmesuradamente a vida
e envolta nesse desmesurado amor
ainda viva morrer
Isabel


"Reverate universale I"
Pietro Adamo

"Reverate universale II"
Pietro Adamo

sábado, outubro 28, 2006

Histórias de aprender e encantar

A minha amiga Carolina está a chegar, e vai ter mais uma das histórias que lhe escrevo à sua espera. Gostava que estas histórias que com muito cuidado e muito carinho lhe escrevo servissem para a divertir mas tambem que a ajudassem a crescer e contribuissem para a sua educação.
Para ti Carolina hoje uma história que te ensina a brincar com a pintura.
Carolina brinca com a pintura

A Carolina estava deitada na cama de boca aberta e olhos escancarados, completamente hipnotizada pelo que se passava dentro do televisor.
Via uma daquelas séries que viciava as crianças no hábito de passar demasiadas horas a ver televisão, fazendo-as perder tantas outras coisas maravilhosas. Sabia que tanto o pai como a Isabel não concordavam mas sabiam ser próprio da adolescência que já a espreitava piscando-lhe o olho atrevido. Sentia já por vezes um arrepio vindo não sabia bem de onde. Uma corrente de ar que a sua futura companheira adolescência deixava quando gargalhando lhe passava à frente a correr e voltava a fugir alegremente deixando atrás de si apenas aquele leve arrepio. A Carolina diz que é uma pré-adolescente e tem razão… ela sente que a adolescência já a anda a rondar, e anseia já pelo encontro com a futura amiga.
A concentração no televisor era total. De repente mesmo por cima do televisor apareceu a face sorridente da princesa Lia.
“Olá miúda que se passa dentro dessa horrível caixa cinzenta de tão interessante?” Dizia a Lia fazendo as habituais palhaçadas.
A Carolina começou a rir desviando os olhos do televisor.
“Olá Lia! Tás boa? Chegaste em boa hora, senta-te aqui a ver a minha série favorita comigo.” Sugeriu.
“Vocês aqui deste país são todas chonés não?” Dizia a Lia abanando a cabeça fazendo caretas, e apontando com o dedo indicador para a cabeça.
“Com tanto para ver e aprender com o mundo, com as pessoas, com os livros… ficam ai agarradas a essa caixa feia e quadrada horas e horas.”
“Olha para o dia lá fora, está um dia lindo de Inverno, frio mas sem chuva. Bom para vestir casacos quentinhos e ir beber um chá quentinho e umas fatias do teu bolo favorito e conversar com amigos não achas?”
“Anda dai tenho uns amigos que quero que venhas conhecer.”
“Mas… mas, eu…” principiava a Carolina.
“Deixa lá o “mas” e toca a mexer.” Disse energética a princesa já com o casaco grosso verde da Carolina numa mão e puxando-a com outra.
Como num passe de magia estavam em Naturália onde o dia estava igual. Um dia de Inverno, frio e ventoso.
Andaram um pouco enroladas nos seu casacos quentinhos até chegarem a uma casa linda e muito antiga mesmo por cima de um enorme lago. Em volta a floresta estava colorida em vários tons de verde e cinzento e as árvores abanavam dançando a música do vento. Patos e cisnes parecendo apreciar o frio nadavam e mergulhavam nas águas do lago e o seu grasnar misturado com o som do vento pareciam ser os únicos sons naquele mágico cenário.
A Carolina estava deslumbrada perante tamanha beleza.
“Lia isto é tão lindo!”
“É o sítio mais bonito que já vi.”
“Este sítio chamasse Vila dos Artistas. Porque muitos artistas vivem aqui ou veem aqui para se inspirarem. Deve ser o sítio mais bonito de Naturália.”
“Esta casa é a biblioteca e museu da vila, tem milhares de livros de todos os géneros e uma zona especial só para os livros de criança. Nas paredes estão quadros de muitos pintores e há sempre novas coisas para ver. Na zona das crianças também fazem imensas exposições giríssimas. Eu já tive muitos desenhos meus na exposição e adorei. E o melhor e que os artistas adultos vêem ver os nossos desenhos e pinturas e ensinam-nos coisas e dão conselhos.”
“Bué fixe! Que máximo! … Gostava que fosse assim lá onde eu vivo. O meu pai e a Isabel dizem que eu tenho jeito para pintar, gostava imenso que um pintor assim com exposições e tudo me dissesse o mesmo.” Disse a Carolina com ar sonhador e uma pontinha de orgulho a brilhar nos olhos.
“Pois é mesmo isso…aqui os mais novos podem aprender com os mais velhos e os mais velhos aprendem com os mais novos, entendes?” Perguntou a princesa.
“Hum… mais ou menos, não sabia que os mais velhos aprendiam com os mais novos.”
“Claro que sim!” Respondeu afirmativa a princesa Lia.
“Anda cá Carolina vem ver uma coisa.” Chamou.
Correu pelo corredor comprido com as paredes pintadas como estivessem cobertas de quadros de todos os géneros mas sem moldura nem tela. Eram quadros pintados directamente na parede.
No fim do corredor à direita estava uma sala muito ampla, o centro estava coberto de almofadas de aspecto confortável e fofo, e nas paredes quadros que pareciam retratar um mundo encantado.
“Senta-te aqui numa destas almofadas e olha à volta.” Pediu a princesa indicando as fofas almofadas com leves toques das suas delicadas mãos.
A Carolina atirou-se de imediato para uma almofada azul, sua cor favorita, observando tudo em seu redor, enquanto escutava a explicação da amiga.
“Estes quadros, são de um pintor de Naturália chamado Carlos Coloris, é muito famoso aqui sabias.”
“Uau! Lia, que espectáculo… são lindos! Parecem desenhos de criança pintados por adulto.” Dizia deslumbrada com a boca ainda mais aberta, com os olhos ainda mais escancarados do que quando olhava o televisor."
“Parecem mesmo desenhos de criança… sabes porquê? Porque este pintor pinta inspirado nos desenhos das crianças, por isso passa muitas, muitas horas connosco a conversar e a ver o que desenhamos e pintamos. Fixe não é?” Perguntou Lia contente por estar a ensinar à sua amiga mais uma coisa nova.
“Fixe não, é mais que fixe, é super fixe…” disse a Carolina rindo sentindo-se feliz.
“Apetece dançar e rodopiar a olhar para estas pinturas que parecem um mundo mágico não é Lia.” Perguntou emocionada.
“Não digas isso duas vezes!” Respondeu de imediato a alegre princesa erguendo-se de um salto.
“A menina dança?” Perguntou brincalhona enquanto estendia a mão curvando-se numa vénia.
“Podemos dançar aqui Lia? Não me parece, nestes sítios não costuma poder-se fazer barulho nem andar aos saltos.” Respondeu a Carolina aflita não querendo fazer asneiras.
“Aqui podemos. Desde que não seja demais para não perturbar as outras pessoas e desde que não se estrague nada."
“Cada pessoa deve poder sentir a Arte da sua forma própria não achas.”
“Claro que as crianças não sentem como os adultos, são crianças ora bolas!"
“Se temos vontade de dançar é porque os quadros são alegres e nos deixam felizes e isso é bom não achas?”
“Acho, claro!” disse a Carolina já rodopiando em volta das almofadas de braços e olhos abertos admirando os quadros que a rodeavam. Com o movimento as árvores as flores as montanhas os castelos pareciam ter passado a fazer parte da sala e as misteriosas criaturas pintadas na tela pareciam ter ganho vida. Era um momento mágico, como se estivessem a dançar dentro do mundo encantado que o pintor imaginara.
Por fim cansadas atiraram-se para as almofadas com um sorriso estampado no rosto.
Estendida numa cama de almofadas de todas as cores a Carolina disse baixinho como um segredo: “Não sabia que a arte podia ser tão divertida e nos deixava assim tão felizes. Que nos podia fazer dançar e brincar!”
“A arte Carolina é para ser vivida e sentida… sabes porque? Porque o artista faz o que vive e sente e quando expõe é por que quer partilhar isso connosco.” Disse a sua amiga princesa também baixinho não querendo quebrar o momento de segredo partilhado entre as duas.
“Achas que ele ficava contente de nos ver aqui a dançar no meio dos seus quadros?” Perguntou curiosa a Carolina.
“Ele ficou mesmo muito contente!” Respondeu uma voz rouca.
Olharam e junto à porta estava um homem de olhos muito azuis que as lágrimas de emoção tornavam imensamente brilhantes.
“Ele ficou muito contente!” Repetiu o homem.
“Eu sou o pintor desses quadros e nunca vi forma mais bela de ver a minha pintura do que aquela que acabei de assistir.”
“Vocês estiveram a brincar dentro desse mundo que eu pintei. Eu brinquei lá enquanto pintava e vocês fizeram o mesmo, não podiam ter-me deixado mais contente. A arte é para ser vivida e como crianças vocês viveram-na da melhor maneira. Brincando. Foi lindo. Deixaram – me muito contente. Obrigada.”
E misteriosamente saiu deixando as duas meninas de extasiadas sem dizer uma palavra.
“Nem acredito!” Disse a Carolina quando finalmente conseguiu falar.
“Era o Carlos Coloris!”
“Nunca o tinha visto assim tão emocionado. Nem lhe consegui dizer olá.” Disse a Lia comovida
“O meu pai vai ficar cheio de inveja, um dia trago cá o pai e a Isabel eles iam adorar.” A Carolina falava e na sua expressão havia um misto de deslumbramento, emoção e a euforia própria das crianças.
“Agora tenho de ir que já é tarde, acabamos por não lanchar nem conhecer os teus amigos.” Continuou.
“Não faz mal, fazemos isso quando cá voltares, eu sei que vais adorar. Mas hoje valeu a pena nãovaleu?” Perguntou a princesa ansiosa por uma resposta positiva.
“Se valeu Lia, foi o máximo! Adorei! Tu também és o máximo adoro aprender contigo.”
“Quando chegar a casa peço ao meu pai e a Isabel que me levem a um museu eles vão ficar espantados e muito contentes.”
“Boa.”
“Depois contas-me tudo!”
“ Adeus miúda, veste o casaco que está frio.” Disse a princesa de ajudando a amiga a vestir o casaco verde.
Adeus Lia, foi um dia espectacular! Respondeu a Carolina acenando alegremente
E zás, num ápice lá estava ela sentada na cama, mas não lhe apetecia ver televisão, apetecia-lhe correr para a sala e contar ao pai e à Isabel o sua última aventura.
Paiiiii!
Isabeeel!
Vocês vão-se roer de inveja quando ouvirem isto! Gritou correndo para a sala.

Isabel

"Sur la route du village"
Marc Chagall

quinta-feira, outubro 26, 2006

O sorriso

Era uma noite aparentemente igual a tantas outras.
Fui àquela festa como poderia ter ido a qualquer outra.
Tudo me cansava. Principalmente as festas.
Cansavam-me as conversas de ocasião, não passavam tentativas vãs para esconder o facto de nada haver para dizer.
Cansavam-me as poses estudadas ao balcão, meras intenções falhadas de cobrir a total falta de confiança.
Cansava-me observar a azafama das idas ao carro buscando mais um risco do milagroso pó branco.
O pó que faz o milagre de tornar o cansaço em energia, a tristeza em alegria, a solidão em companhia.
Cansavam-me os olhares dispersos na multidão.
Cansavam-me os sorrisos de boca e coração fechado.
Cansavam-me as falsas simpatias.
Cansavam-me as falsas antipatias.
Cansavam-me os amores sem amor, por uma noite.
Tudo me cansava até eu.
Nessa noite estava assim cansada de tudo e com um sorriso dorido nos lábios. Subi a escada para o primeiro andar.
Zona Vip.
Zona das Very Important Persons .
Zona das pessoas muito importantes.
Importantes para quem?
Para quem era eu importante senão para mim.
Subi a escada achar-me tudo menos importante.
Cheguei ao cimo e com a naturalidade dos gestos que fazemos por hábito há algum tempo, caminhei para o bar.
Olhei-o e sorri embalando o meu sorriso cansado no embalado que trazia no passo.
Ele sorriu de volta.
Sei que brilhei.
O meu sorriso abriu-se, escancarou-se, tornou-se puro e quase descarado.
O primeiro sorriso aberto e franco da noite.
Ele voltou a sorrir de volta, sorriu inteiro, sorriu sem medo, sorriu sem máscaras.
Sorriu simplesmente.
E brilhou.
O segundo sorriso aberto e franco da noite.
Os dois únicos sorrisos da noite.
Os sorrisos fizeram-se riso e contagiaram a face inteira e tudo ria, a boca, os olhos o nariz.
Da face passaram ao corpo e nossos corpos riram também.
Em cada sorriso um arrepio. O arrepio da felicidade que se sentia a chegar. Rimos juntos, inteiros, completos.
Depois dessa noite de sorrisos vieram 3 anos de dias e noites de sorrisos.
Essa noite foi amor.
Com os sorrisos dessa noite demos luz a um grande amor.
O amor que é hoje.

Amor é ver em ti, quando acordas todos os dias ao meu lado ou quando ao fim do dia me vês chegar, o mesmo sorriso de quando me viste pela primeira vez. Amor é este nosso sorriso, que ficou!



Isabel


"Enamorados"
Marc Chagall

segunda-feira, outubro 23, 2006

Solidão

(Solitária, louca, apaixonada. Assim vivo assim sou. Está na minha natureza!)
Naturalmente só
Com muita frequência sinto a sensação de estar só estando rodeada de gente.
Todos já a sentimos.
Eu sinto-a desde muito miúda e tem-me acompanhado ao longo da minha história.
De início era muito doloroso. Quando se é criança é duro este face a face com a solidão.
Com o tempo a dor não diminuiu mas a ela veio juntar-se um estranho conforto que durante muito tempo não soube identificar.
Hoje sei.
Sentindo e pensando nessa sensação veio-me à memória uma história que desde que ouvi pela primeira vez relembro como explicação para tantos dos factos da vida.
Certo dia um crocodilo aproximava-se a passo lento de um rio com intenção de o atravessar, quando um escorpião o chamou: crocodilo, podes fazer-me um favor?
Pediu o escorpião.
"Que favor ?" Perguntou o crocodilo desconfiado.
"Leva-me em cima de ti para atravessar o rio, que como sabes eu não sei nadar."
Pediu mansinho o escorpião.
"Estás louco, oh escorpião! Eu não sou parvo sei bem que és venenoso. Ias picar-me e matar-me com o teu veneno." Gritou enfurecido o crocodilo.
"Nem pensar, juro que não o faço, parvo seria eu se o fizesse, eu não sei nadar se tu morresses eu afundava-me e morria também. Argumentou prontamente o escorpião.
O crocodilo pensou e o argumento do escorpião fez-lhe todo o sentido. Prontificou-se a ajudar o escorpião a atravessar o rio levando-o no seu dorso.
A meio da travessia sentiu uma forte picada na pele. Incrédulo e assustado sabendo que ia morrer, perguntou ao escorpião: porque fizeste isto se sabes que vais morrer também?
O escorpião respondeu, não pude evitar está na minha natureza.
Nesta história reside a explicação para a tal estranha sensação de conforto que se mistura com a dor quando no meio da gente, até dos amigos, me sinto só. O conforto da solidão é como uma manta velha que temos desde bebés, aquece-nos o corpo e a alma com o seu cheiro familiar. O mais familiar dos cheiros. O nosso próprio cheiro. Este estranho conforto só alguns de nós o sentem. Os que tem a solidão na sua natureza.
Não se pode lutar contra a natureza.
Ela e assim porque é.
Podemos matar.
Podemos morrer. Como na história do escorpião e do crocodilo.
Ou como eu podemos podemos buscar a solidão porque ela está na nossa natureza.
Por nos acompanhar desde sempre.
Ser unha com carne connosco.
Eu sou assim, unha com carne com a solidão.
É mais que amiga é familia para mim. É sangue do meu sangue.
Por maior que seja a dor que me provoca, sentir-me-ei sempre quente e confortável enroscada nessa manta velha que desde sempre me acompanhou. Que tem o cheiro do leite de minha mãe, o cheiro do colo do meu pai, o cheiro das papas, o cheiro da saudade de quem já não está, o cheiro dos livros que li, o cheiro de todos os meus perfumes, o cheiro amante do meu amor, o cheiro da próximidade da morte que já senti, o cheiro de todas as alegrias vividas, de todos os momentos solitários, o cheiro da minha história. Todos juntos, este cheiros, na minha antiga manta tornam-a a mais quente e mais confortável das mantas. A única que cheira a mim.
A solidão está na minha natureza.
Por mais que doa trar-me-á sempre calor e conforto. É familiar.
Quando estou só estou acompanhada de mim. Quando estou só estou companhada do que sou, enroscada na manta da minha história.
Enquanto estiver acompanhada de mim não estarei só nunca.
Penosa e confortável é a solidão que encontro entre as gentes.
Penosa e estranhamente confortável é esta minha natureza.


Isabel
" Solidão"
Edward Raymes

sexta-feira, outubro 20, 2006

Choveu saudade

(para ti e para a amiga que com pena não conheci, a tua mãe)

O mar da Saudade

A noite passada
teu coração chorou

nos teus olhos ontem choveu
um mar de serena saudade
na tua memória ela não morreu
viverá na eternidade

foi mãe, pai, a maior amiga tua
foi a presença, a certeza, tudo em ti
em mim uma memória nua
a amiga que não conheci

conheço como a vês como a amas
conheço teu carinho e devoção
sei que em silêncio a chamas:
MÃE agarra a minha mão

A noite passada
teu coração chorou

no meu peito a bater aflito
caíu uma chuva miudinha
quis serenar teu choro feito grito
mas a saudade era tua e não minha

quis essa ausência compensar
quis roubar-te a solidão
por um sorriso em seu lugar
e oferecer-te a minha mão

apertei-te a mão sempre a sorrir
a sorrir, a sorrir sem parar
mais uma lágrima vi cair
e no meu peito te vieste enroscar

no meu colo te enrolaste
querendo conforto e carinho
ao meu ouvido sussurraste:
amor dá-me miminho


dei-te todo o mimo que tinha
choro em riso quis transformar
a tristeza foi para donde vinha
e o teu sorriso voltou devagar


a noite passada o teu coração chorou
depois sorriu sem a saudade abandonar
o meu coração amigo o teu acompanhou
eu nada disse, nada fiz, só amar


A noite passada
teu coração chorou


amanheceu solarengo o teu olhar
nos teu olhos a chuva parou
nos teus lábios vi sorriso a brilhar
e feliz meu coração também chorou


A noite passada
teu coração chorou

(sem saberes o meu chorou contigo
porque te amo, meu amor amigo)


Isabel


" Mãe e filho"
Gustav Klimt

quinta-feira, outubro 19, 2006

Beleza

Tenho em mim o mundo

Tenho 39 anos e estou mais bonita

Estou mais bela
porque brilho

Menos pintada
Troquei a cor do meu batom

Por todas as cores no mundo pintadas

Menos vaidosa
Troquei a minha imagem no espelho

por todas as imagens no mundo espelhadas

Menos orgulhosa
troquei os orgulhos desprovidos de sentido
por todas as humildades a pulso alcançadas

Estou mais bela
porque brilho

Com mais cabelos brancos
Mais rugas
Mais gramas

Mais cansaços

Em cada ruga
há uma estrada percorrida
Em cada grama
há um sabor provado

Em cada cabelo branco
há uma lição aprendida
em cada cansaço
há um destino alçançado

Estou mais bela
porque brilho


Como a noite recebe o dia
Recebo eu todo este brilho

Abraço-o grata e luzidia
como a mãe que abraça um filho

Curvo-me e humilde agradeço
a luz que o mundo me deu
Ergo-me ilumino e resplandeço
brilho de um brilho que não é meu

Brilha a pele
Brilha o olhar

Brilha o toque
Brilha o andar
Brilha a voz

brilha o falar
brilha o corpo
brilha o movimento
Brilham estes dedos com que escrevo

Brilham estes lábios com que beijo
Brilha esta alma com que me alteio
Brilha esta força com que luto ajo e faço
Brilha-me até o cansaço que não disfarço


E brilha-me no peito um batimento
de um mundo feito coração
Ergo-me brilho e resplandeço
mas quem brilha não sou eu
é o mundo na minha mão




Isabel

" Mulher diante do espelho"
Pablo Picasso

segunda-feira, outubro 16, 2006

Fragilidade

(Pai aqui te ergo uma estátua feita de palavras)
Eu o meu pai a mosca e a vida


Lembro hoje o dia em que iniciei a minha aprendizagem acerca do valor e da fragilidade de uma vida.
Lembro hoje o choque e tristeza do meu primeiro contacto com a morte e lembrar-me-ei sempre a presença segura, protectora e carinhosa do pai junto de mim.
É uma história estranha pois as personagens são eu, o meu pai e uma mosca.
É importante que fale um pouco desse homem que aparenta ser a personificação da própria força, a voz grave, o olhar penetrante, a presença segura, a firmeza das opiniões, tudo, tudo nele parece dizer:”eu sou forte”: e é!
É também cheio de pequenas fragilidades invisíveis aos olhos de quase todos, até dos que lhe estão mais próximos, mas desde criança claras como a mais límpida das águas para mim.
De inteligência e sensibilidade muito acima da média, as suas ambições para mim também o eram.
Recordo as vezes em que ainda muito criança, 6, 7 anos me levava a ver o mar. Era um momento só nosso, meu e dele.
Só nós os dois, sentados nas rochas olhando o mar. O meu pai falava-me dos mistérios da vida sabendo que eu era ainda muito nova para o entender. Costumava dizer: "Eu sei que não entendes ainda, mas as crianças memorizam tudo e ao longo da vida vais-te recordar destas nossas conversas. Vais recordar o que o teu pai te dizia e formar as tuas próprias ideias."
O meu pai tem esta bonita capacidade de apaixonadamente defender o seu pensamento até à exaustão, sem nunca o impor. As conversas comigo enquanto criança terminavam sempre com: “Um dia vais entender o que te tenho tentado ensinar, e ou me dás razão ou me achas um louco, o importante é que te vás lembrando do que tenho tentado ensinar-te.”
E tinha razão ao longo da vida com muita frequência a memória traz-me de volta a voz do meu pai e as coisas de que me falava ali nas rochas olhando o mar.
Naquele sábado estava toda a família reunida. Nessa altura eu vivia com a minha avó a minha tia e o meu único irmão. Os meus pais tinham ido passar o fim-de-semana connosco e estávamos todos reunidos à mesa de jantar em volta um dos soberbos petiscos que só a minha avó sabia cozinhar. Nesse tempo o meu pai era um homem bem disposto, e para mim e o meu irmão nada podia ser melhor do que ter os meus pais por perto. Eram jantares alegres e divertidos muito marcados pela fortíssima presença do meu pai.
Não se riam mas a queda de uma mosca moribunda junto do meu prato deu inicio a uma das minhas maiores e mais precoces lições de vida.
Acreditem que a angústia sinto-a ainda hoje, tal e qual como sente angustia uma criança; dramáticamente, com uma profunda e asfixiante tristeza, como se o seu pequeno mundo fosse terminar.
A mosca caiu junto do meu prato agitando as asas e as patas debatendo-se teimosamente com a morte.
Os meus olhos olharam e não desviaram. O meu olhar infantil viu e ali ficou parado. Era o meu primeiro contacto com a morte e toda eu parei. Fiquei imóvel, silenciosa curvada pelo respeito a algo que eu pressentia estar estava além de mim e que não sabia entender. Lá estava ela ali esperneando na toalha branca, lutando com toda forças por aquele pedacinho de vida que lhe restava. Achei que podia ajudar. Achei que devia ajudar. Achei que tinha de ajudar. Quis ajudar. Quis com toda a energia que tem as crianças salva-la. No fundo acho que sempre fui assim. Sempre acreditei que os milagres vinham da força com que acreditávamos e lutávamos.
E como Lutamos!
Eu e aquela pequena e “insignificante” mosca lutamos muito naquela noite
Ela pela própria vida. Eu pela vida dela.
Peguei-lhe devagar e fiquei , por momentos, apenas olhando, como que buscando nela a resposta. Ajuda-la a tentar recuperar. Faze-la sobreviver, mas como? Como se ajuda uma mosca? Que se passava com ela? O que lhe tinha acontecido? A pobre mosca esperneava no meu dedo lutando contra o fim com todas forças que lhe restavam. Disse ao meu pai que devia ter sido um daqueles sprays usados pela avó para eliminar os insectos que naquela zona existiam em abundância.
” Vou dar-lhe água e vai ficar boa não vai pai?” Perguntei ansiando o sim que não tive.
O meu pai afirmou não saber mas que se eu quisesse podia tentar.
“ Tenta filha, nunca se sabe, a vida é sempre um mistério” disse.
Não terminei o jantar.
Levei a mosca para a casa de banho no dedo e molhando o outro dedo fui com muito cuidado tentando fazer com que bebesse a água.
Na sala a minha avó queixava-se de eu não ter terminado o jantar. O meu pai respondeu-lhe:
“Deixa ela está aprender o que é a vida. Vai-lhe doer, mas estamos aqui com ela.”
“Deixa-a tentar salvar uma vida.”
“Mas Mário é só uma mosca” dizia querida e cruel a minha avó.
“Não deixa de ser uma vida.” Respondeu o meu pai sério.
É difícil descrever as horas que se seguiram. Eu e ela (a mosca lutadora) juntas num combate que nessa idade eu acreditava ser possível ganhar. Ela bebeu a água dos meus dedos, muito devagar, gotinha a gotinha. Não sei se aconteceu realmente, se a vontade de a ver reagir me enganou, mas a verdade é que me pareceu que aquelas minúsculas gotas de água, sorvidas por ela em minúsculos golos ao longo de várias horas, a estavam a fazer reagir. Pôs-se direita, com as patas limpou as asas e ali ficou no meu dedo parecendo descansar, recuperando as forças para voltar a voar. Continuei com o dedo esticado, tentado olha-la nos olhos, se é que isso é possível entre uma pessoa e uma mosca, não sei mas eu ia jurar que sim. Era imensa a minha alegria. Achei por algum tempo que lhe tinha salvo a vida. Sentia-me contente e orgulhosa. Eu e ela tínhamos ganho o difícil combate. Afinal tudo parecia ter voltado a ser maravilhoso. A voz dos meus pais na sala. Na cozinha o som da água correndo , dos pratos e dos tachos, a minha avó e a minha tia como sempre uma lavando a loiça enquanto a outra limpava. O meu irmão já dormindo um sono descançado, era mais pequenino e tinha de se deitar cedo. E ela ali no meu dedo viva. Salva por mim.
Tudo parecia perfeito e eu estava maravilhada por ter salvo uma vida.
Estava enganada.
Nada tinha voltado ao normal. Nada estava perfeito. E eu não a tinha salvo.
Em poucos minutos a mosquinha morreu. Ali no meu dedo. Como se se tivesse levantado apenas para morrer de pé. Orgulhosamente depois da dura batalha com a morte.
Ela morreu e eu chorei.
Chorei muito.
Muito e convulsivamente.
Horas a fio.
O meu pai veio para junto de mim.
Disse que sabia que aquilo ia acontecer mas quis deixar-me perceber como a vida é frágil. Quis que eu entendesse que quando prestamos atenção uma vida é sempre uma vida. Aquela mosca tinha sido importante para mim porque lhe dei atenção. Porque olhei. Porque vi. Porque algo fez com que caísse junto de mim. A minha dor era maior porque eu tinha combatido lado a lado com ela. Já tinham tantas morrido perto de mim sem eu sequer notar. Naquele dia eu tinha assistido à beleza e ferocidade do combate final. Todos os seres vivos, um gato, um pássaro, um peixe ou até uma simples mosca, todos sem excepção lutam ferozmente contra a morte …
Memorizei estas palavras de meu pai e todos os acontecimentos desta noite para sempre.
Chorei convulsivamente abraçada ao meu pai até de madrugada.
Relembro com carinho que ele não saiu nunca do meu lado.
Levou-me para a cama, e ali ficamos, eu chorando e ele abraçando-me e fazendo-me festas na cabeça. “ Sei que te custa muito, viste a morte, lutaste com ela e perdeste. Com a morte podemos travar a mais dura das batalhas. Podemos adiar a derrota. Podemos preparar-nos para um fim digno e com alguma doçura até. Vencer a morte, isso nunca!”
Foi a tua primeira batalha perdida.
Sentiste como a vida é frágil.
Foi uma noite difícil mas o meu pai tornou-a das mais importantes e mais belas.
Mostrou-me que está sempre ao meu lado quando eu preciso sem julgamentos de valor de nenhuma espécie.
Aquela mosca foi importante para mim e eu era importante para ele, isso bastou.
Hoje que já sou adulta o meu pai diz que a única certeza que temos na vida é a morte.
Mais uma vez tem razão.
Hoje apesar do medo natural e humano da morte sei que morrer é tão natural e tão belo como nascer.
O meu pai que não é perfeito mas é sábio.
O meu pai não está sempre presente mas está sempre perto.
O meu pai não me vê sempre mas olha sempre por mim.
Como a sombra e a luz, a vida e a morte... não estão juntas mas estão sempre perto.
A sua presença é constante.



Isabel
" A vida e a morte"
Gustav Klimt

sexta-feira, outubro 13, 2006

Histórias de aprender e encantar

A Carolina ( a menina de quem sou madrasta e amiga) desta vez só vem para a semana mas prometido é devido. Uma história de 15 em 15 dias. Esta é a 2ª aventura da Carolina e da Princesa Lia. Fica aqui uma nota: Esta história fala de bruxas com naturalidade e sem preocupações de afectar a crença ou descrença de cada um. É apenas uma história. Peço desculpa aos que não acharem educativo ou moralmente correcto. Eu acho.
Eu acho que a aprendizagem das crianças deve basear-se na bondade e na pureza de sentimentos e não na moral ou no que é socialmente bem aceite.
Aqui vai, para aprender encantar e divertir... como deviam ser todas as histórias.
Mais uma vez para ti Carolina.


Carolina conheçe a Bruxa Vrumm

Era um daqueles dias escuros e chuvosos que todas as crianças odeiam por os adultos, sempre demasiado cuidadosos, não as deixarem ir para a rua brincar. A Carolina não era excepção, o pai e a madrasta da Carolina também não.
“Hoje é dia de ficar em casa sossegados, não há corridas nem “chapinhanços” nas poças, para ver se não ficas doente. Podemos ver um filme ou fazer um jogo mas rua com tanta chuva é que não”, tinham-lhe dito.
A Carolina contrariada mas obediente aceitou. Esperava impaciente que acabassem de ver um filme na televisão antes de irem os três jogar um jogo, quando teve uma ideia.
“Vou visitar a Princesa Lia a Naturália!”
“Enquanto eles vêem o filme vou brincar com a Lia.” Pensou ganhando um sorriso maroto.
Deitou-se na cama e iniciou a brincadeira. A sua imaginação foi-a levando, levando, levando, até se encontrar correndo pelos campos procurando a nova amiga.
Em Naturália era Verão. O dia era de sol e toda a natureza parecia brilhar reflectindo o brilho dos seus raios. As árvores, as flores, os riachos, as plumagens dos pássaros, tudo, tudo parecia imensamente belo, colorido e brilhante como se com beleza a natureza retribuísse ao sol o calor e a luz dos seus raios.
"Lia! "
"Lia , onde estás? "
"Lia, estás escondida?"
Ia gritando a Carolina ao mesmo tempo que abria a boca de espanto perante a tamanha beleza daquele sítio.
Até que a ouviu. Seguiu o som das gargalhadas e ali estava ela rebolando na relva a rir agarrada à barriga. Com ela estava uma senhora com cabelos longos de cor avermelhada e uma túnica amarela salpicada de missangas douradas. A senhora tinha um ar misterioso talvez por ser imensamente luminosa. Parecia também ela brilhar com a natureza.
"Olá Lia." disse a Carolina envergonhada.
"Olha a Carolina! "
“Oh miúda que bom que cá vieste!” A risonha da princesa deixava perceber o espanto e uma enorme alegria com a visita da amiga.
“Olha Carolina esta é a Vrumm, chamamos-lhe assim porque gosta de andar na bicicleta a imitar o som de uma mota, tás a ver Vrumm, Vrumm, Vrumm…” Imitava bem disposta falando e rindo ao mesmo tempo.
"Bonita a Vrumm não é? E uma bruxa boa. Alguma vez conheceste alguma bruxa?"
A Carolina não sabia o que dizer.
Tinham-lhe dito que as bruxas não existiam.
E mesmo nas histórias as bruxas eram todas más e feias e aquela feia não era e se fosse má a Lia não ia estar a rir com ela.
Percebendo o embaraço da amiga a Princesa continuou.
“ Vrumm esta é a Carolina, lembraste?” “Aquela amiga que fiz quando fui lá aquele reino estranho chamado Portugal”
“ Reino não País, já te ensinei isso, Lia.” Apressou-se a explicar a Carolina.
“Isso País. Desculpa amiguinha!” Reconheceu sem nenhum problema a Lia.
“És mesmo uma bruxa?” Perguntou a Carolina não conseguindo disfarçar a curiosidade.
“Claro! Sou a bruxa mais conhecida aqui de Naturália. Todos sabem quem eu sou porque eu e a Lia passamos os dias aqui brincando pelos campos.”
“Mas as bruxas não são más?”
“Mas as bruxas não são feias e com um ar maldoso para meter medo?”
“As bruxas não estão sempre zangadas e mal dispostas?”
“Olha, a sério, eu pensava que as bruxas não existiam a não ser nas histórias!”
A Carolina bombardeava a bruxa Vrumm com perguntas e só parou quando reparou que a Lia e a bruxa se estavam a engasgar tentando controlar o riso.
“Ai estas miúdas lá desses sítios estranhos! Ai, ai deixa-me rir.” Dizia a bruxa abanando os lindos cabelos vermelhos e rindo divertida.
“Não lindinha, nada disso. Senta-te ai que eu vou-te explicar.”
A Carolina sentou-se debaixo de uma enorme figueira.
Com os olhos tão abertos quanto a sua curiosidade aguardava calada pela explicação.
A bonita bruxa aguardou o silêncio e depois numa voz que parecia um melodioso canto começou:
“As bruxas como todos os seres podem ser mais feios ou mais bonitos. A beleza não está na aparência mas sim cá dentro.” Falou batendo levemente com a mão no peito.
“As bruxas podem ser más ou boas, como todos os seres.”
“Uma bruxa é uma pessoa como as outras apenas diferente por conseguir falar e escutar a voz da natureza. A bruxa é uma pessoa com uma ligação muito forte à natureza.”
“Por exemplo: Tu não sabes o que aquele pássaro que esta em cima desta árvore esta a pensar pois não?”
“Não, claro que não? Não entendo nada daqueles piados.”Respondeu a Carolina com um ar intrigado.
“Pois, mas as bruxas entendem.” Disse suavemente a Vrumm.
“Então que está ele a pensar?” Perguntou de imediato a Carolina cheia de curiosidade.
“Está a pensar que lhe sabe bem este sol pois esteve a brincar no riacho e precisa secar as penas.”
“Como sabes?” Continuou a criança falando alto e aceleradamente já não conseguindo mais evitar a excitação que sentia.
“Sei. È fácil basta ouvir.” Respondeu a bruxa baixando o tom da voz.
“Tenta tu. Schiuuu… não faças barulho e escuta o passarinho com atenção.”
“Então que te disse ele?” Perguntou olhando para a menina sorrindo enquanto esperava a resposta.
“Acho que me disse que agora que já está seco gostava de comer qualquer coisa pois a brincadeira no riacho abriu-lhe o apetite.” Respondeu a Carolina pouco segura.
“Boa!”
“Maravilhoso!”
Elogiava a bruxa batendo palmas e dando uma volta a rodopiando em volta da enorme figueira.
“Se não me ponho a pau vais-te tornar uma bruxa melhor que eu.”
“Como vês para entender a natureza basta olhar, escutar, e principalmente ter vontade de aprender. A natureza está sempre a falar connosco e a mostrar-nos coisas, nós é que não paramos para ver e ouvir o que tem para dizer.”
A Carolina estava maravilhada e sem palavras.
“Podes falar miúda.”
“Acorda!” Dizia a Princesa sempre a brincar.
“Vês as bruxas não são feias nem más, são apenas pessoas com mais paciência para escutar a natureza.”
“Então e como fazem os bruxedos?”
Perguntou a Carolina ainda não convencida.
“Da mesma forma!” Respondeu a bruxa.
“Os bruxedos são poções mágicas como é o chá que a avó te faz quando estás constipada.”
“Faz-te sentir melhor ou não?”
"Sim, alivia muito." concordou a menina .
"Pois, vês isso é bruxedo, ou magia." Explicava a bela bruxa.
“As bruxas boas quando vêem alguém sofrer perguntam à natureza como podem ajudar e a natureza responde. Simples não é?”
“E então qual é a diferença entre uma bruxa boa e uma má?” Continuava interrogando a Carolina.
“Tanto as bruxas boas como as más escutam e vêem os sinais da natureza, a diferença é que as boas usam o que aprendem para fazer o bem e as más para fazer maldades.
“A Vrumm é uma bruxa muito boazinha e além disso é super divertida.” Explicou a princesa.
“Pois, pois, então que acham de ir-mos brincar a adivinhar o que dizem os animais que formos encontrando, é divertido e vamos aprendendo coisas novas?” Sugeriu a bruxa .
“Boa! Muito Fixe!” disse a Carolina pondo-se de imediato em pé, não reparando que no local onde estava sentada deixava imensas folhas soltas, pertenciam às dezenas de trevos de 4 folhas que sem reparar se tinha entretido a arrancar enquanto escutava a explicação da Bruxa.
Viram primeiro um caracol.
“Olha um caracol o que está ele a dizer oh, Vrumm?” Perguntaram ao mesmo tempo as duas meninas.
Está a dizer: “Espero que estas miúdas não sejam daquelas que se divertem a pisar caracóis.”
He, he, he. Riram as três divertidas com a brincadeira
“Olha ali um pato vamos saber o que diz ele!” Gritavam as duas meninas, correndo, entusiasmadas com a brincadeira, em direcção a um pequenino pato amarelo.
“Então Vrumm que diz o pato?”
Diz: “ Onde está a mamã e os manos? Lá os perdi outra vez! “
“Não acham que o devíamos ajudar a procurar?” Perguntou a Bruxa.
"Claro, claro! Vamos a ajudar o patinho bebé e depois de lhe encontrar-mos a mãe eu tenho de ir para casa que o pai e a Isabel querem jogar um jogo comigo. " Respondeu logo a Carolina contente por ir ajudar o patinho.
Deram uma pequena volta e lá estava a mãe pata e os irmãos também eles procurando o patinho perdido.
Bastou baixar um pouco os arbustos mais altos para que a mãe visse o filhote e fosse correndo com os manos todos a traz.
A família de patos de novo reunida e feliz ficou por momentos olhando fixamente para as duas meninas e para a bruxa Vrumm. A Carolina ia jurar que tinha escutado a pata mãe dizer: “Obrigada, às três. Muito obrigada.”
“Vêem? Se escutarmos o que diz a natureza pode ser divertido e ainda podemos sentir-nos bem por ajudar.” Disse a Vrumm
“Tens razão.”
“Gostei bué de vir aqui”.
“Vou voltar mais vezes.” Respondeu a Carolina afastando-se a acenar.
“Adeus Carolina volta depressa! "Gritavam em coro a Princesa Lia e a bruxa Vrumm.
Logo de seguida ouviu o pai chamando.
“Bora Carol, vamos ao nosso jogo!”
Saltou da cama e foi correndo para os braços do pai pronta para uma nova brincadeira.
Mais tarde iria contar ao pai e à Isabel o que tinha aprendido lá em Naturália com a princesa Lia e a bruxa Vrumm.


Isabel

"O Verão"
Marc Chagall

quinta-feira, outubro 12, 2006

Canto às asas

Nada
nasci sem nada
sem nada
morrerei
nada trago comigo
nada levo
nada deixo
nos mundos por onde passo.

nada tenho
nada é meu
nem o mar
nem o céu
nem as arvores
nem os pássaros
nem o amor
nem a amizade
nem a dor
nem a felicidade
nada é meu
nem eu.

minhas
apenas
as asas

com elas
viajo por todos os mundos
com elas
escrevo todos os livros
com elas
amo todos os amores
com elas
voo todos os voos

minhas
apenas
elas
as asas

nada tenho
nada é meu
nem os olhos
nem a boca
nem a pele
nem as folhas
nem o papel
nem o leite
nem o mel
nem o enfeite
nem o fel
nada é meu
nem eu

minhas
apenas
estas
asas

quando
partir
para o descanso final
irei voando
eu
e as minhas asas
leve
despojada
de corpo
continuarei
só alma
e asas
voando
novos céus
que também não
serão meus

minhas
só as asas
com elas voltarei
sempre
voando
para ti

serei corpo
serei alma
nada
apenas
asas

sou asas
e voo


Isabel




"O voo"

Marc Chagall

quarta-feira, outubro 11, 2006

O valor de um sonho

A mulher que vendia sonhos

Ali estava ela, no passeio rodeada de gente que nem a via, sozinha, ela, o seu ar triste, e um molho de livros nas mãos.
Já a estava a ver ainda antes de atravessar a rua.
Era tão nova.
Tinha um ar tão desamparado e triste.
Aproximei-me dela e ela de mim.
Era bonita.
Sorria tristemente disfarçando o desespero.
Abraçava os livros com carinho e força como se abraça alguém que não se quer ver partir.
Olhou-me.
Nos seus olhos passava o filme de todo o drama de uma vida.
Uma vida que tinha chegado ali.
Sorri-lhe.
Acho que também era triste o meu sorriso.
Disse: “Um livro por um euro minha senhora.”
O meu sorriso ficou mais triste ainda.
Achei que não tinha dinheiro. Tinha os pés pregados no chão sem me conseguir afastar.
Tinha os lábios colados sem conseguir dizer nada.
Limitei-me a sorrir. Triste.
Ela falou por mim.
“ Não tem de ser um euro, pode ser menos, sabe eu tive vergonha de pedir esmola, achei que era melhor em troca do dinheiro dar uma coisa que eu gostasse muito, achei melhor assim, entende?”
Eu entendi.

Claro que entendi.
Eu faria o que ela fez.
Com a mesma dor com que ela o fazia.
Podia ser eu a estar ali.
Olhei para os livros enquanto metia a mão na carteira.
Eram romances. Desses romances de cordel cheios de fantasia e romantismo.
“A senhora se calhar não gosta deste tipo de leitura não é?”
Eu tinha encontrado a moeda.
Disse-lhe: “Não importa, os livros são seus, fique com eles.”
Pus-lhe a moeda entre os dedos e fechei-os sentindo-me envergonhada por lhe estar a dar uma esmola e não a leva-la dali.
Ela agarrou-me a mão e por um segundo os nossos olhos cruzaram-se.
Disse-me obrigada, com o olhar.
Eu pedi-lhe desculpa também com o olhar.
Ela agradeceu-me a moeda, mas principalmente que não lhe tivesse levado os livros. Cada livro era um sonho.
Naquele dia estava ali no meio da rua vendendo os seus sonhos por 1 euro.
Agradeceu-me que eu tivesse entendido.
Tinha perdido quase tudo por isso ali estava.
Era mais uma etapa. A etapa da venda até dos sonhos.
Um euro. 1 sonho.
E havia quem lhos levasse.

Havia quem lhe desse um euro pelos seus livros.
Havia quem desse 1 euro por 1 dos seus sonhos.
Distração, mediocridade, crueldade.
Não sei!
Fiquei com aquele calor das suas mãos colado nas minhas mãos.
Sei que ela ficou com o meu calor.
Afastei-me a correr.
Não quis que ela visse o esboço de lágrima no meu olhar.
Corri para o carro.
Onde me esperava a alegria.
Saltitei, fiz palhaçadas caminhando para o amor que me esperava.
Tentava disfarçar, o coração pequenino. Tentava evitar a lágrima teimosa.
Tentava evitar a raiva e a vergonha.
Porque não tem ela alguém à espera.
Porque vou eu embora de carro, para casa, acompanhada de alguém que amo e me ama, e ela fica ali, no passeio, sozinha, triste, vendendo os sonhos.

Ela e eu eramos a imagem da injustica e desigualdade no mundo.
Dela ficarei sempre com a memória.
Lembrarei para sempre aqueles olhos tristes.
O carinho desesperado com que agarrava os livros.
E o calor.
O calor das suas mãos.
O seu nome?
Não sei.
Lembra-la-ei como a mulher que vendia sonhos.




Isabel

"Mulher com livro"
Pablo Picasso

terça-feira, outubro 10, 2006

Ser

Ainda ontem pensava que não era

Ainda ontem pensava que não era
mais do que um fragmento trémulo sem ritmo
na esfera da vida.
Hoje sei que sou eu a esfera,
e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim.
Eles dizem-me no seu despertar:
" Tu e o mundo em que vives não passais de um grão de areia
sobre a margem infinita
de um mar infinito."
E no meu sonho eu respondo-lhes:
"Eu sou o mar infinito,
e todos os mundos não passam de grãos de areia
sobre a minha margem."
Só uma vez fiquei mudo.
Foi quando um homem me perguntou:
"Quem és tu?
Kahlil Gibran

"Iluminar"
Joan Miro

Ser humano
Hoje quero ser a dona da vida
amanhã logo se vê

hoje quero deitar abaixo aquilo
que construi
e depois!

Hoje quero duvidar
de todas a certezas
de que me certifiquei
poderei!

hoje quero dizer a verdade
de todas a mentiras
que com veracidade
aprendi a dizer
e direi!

hoje vou ser contra
a contrariedade
e favor da contradição
contrariamente à
nova concertação
à reunião
sem união
e sem razão

hoje quero
ser
inconstante
inconveniente
incongruente
inconsciente
e diferente
serei
tambem gente.
descrente
demente
gente
de coração ardente
gente
de fé doente
mas gente
gente
gente

hoje serei
ser
serei um ser
verdadeiro
um ser
humano


Isabel

segunda-feira, outubro 09, 2006

A hora da LIBERDADE

É hora
de lhe pegar pelos cornos
e domar a fera
cortar-lhe as garras
aparar–lhe o pelo
pôr-lhe o açaime
prender-lhe a trela
faze-la escutar a voz do dono
a música do chicote
antecipando
a dor
É hora
de mirar nos olhos
a besta amansada
delicadamente
passar -lhe a mão
pelo pêlo aparado
e tatuar-lhe a ferro e fogo
a permanente
memória
que
existe
para
servir
ME
no fim
talvez
carinhosamente
adorna-la
com um laço da minha cor preferida
para que saibas
Oh nova vida!
que em ti quem manda
sou eu!

É hora
de
Revolver as horas
Remexer os dias
Recriar verdades
Remover mentiras
Renovar promessas
Reavivar vontades
Reconstruir caminhos
Reorganizar as ordens
Reprogramar os programas
Reestruturar as estruturas
É hora
hora
de morte
e destruição
de mandar rufar os tambores
hora da vida velha assassinar

É hora
de LUTAR
de VENCER
e GANHAR
uma VIDA
NOVA

É hora
de agarrar o vento
e voar
voar a jacto de ar
voar a assapar
voar rápida
e sofrega
agitando
as outrora calmas
ondas
num grito
"há revolta no mar!"
Finda a tempestade
é hora
de bonança
Finda a tempestade
é hora
de esperança
Finda a tempestade
é hora
de LIBERDADE
Agora amor
Que temos liberdade
Prende-te e prende-me
Vamos ser livres
mas
presos
juntos
Isabel
"Recordações do futuro"
Asha Mengharagani

sexta-feira, outubro 06, 2006

A margem da Alegria II

Hoje que é dia de nascer
hoje que se celebra um nascimento
de amor

celebremos amando
amando o poema
o poeta
a poesia

paremos pois
para continuar a
apreciar
saborear
a amar
“A margem da alegria”
e
Ruy Belo
e nele
todos os poemas
todos os poetas
a poesia
toda

vamos parar pois
tomando o tempo nos braços
levando o tempo e os pedaços
deste poema num longo e terno abraço

Silêncio, deixemos falar o poeta…
Schuuuuuu….

A margem da alegria (excertos)
II

quando não só as salas mas as vidas não ficavam
de repente vazias de convivas
que temiam olhar uns para os outros e medir nesse olhar
as dimensões da solidão
e só sentiam como algum remédio para a solidão
abrir as salas aos nocturnos bois dos campos circundantes…

quando a solidão não era vocação exclusiva dos poetas
mas até de roseiras e agapantos glicínias certas árvores …

quando as lágrimas não eram nesse tempo densas e
fechadas como pedras
nem deixavam nos rostos indeléveis como
de certo modo deixam no trilho do seu canto os rouxinóis.

quando não era solução a solidão conjunta dos conventos
mas eram lágrimas ou caras solidárias de vagares de um
certo convívio com o mal
e a esperança que existia que servia a sua boa hora
e se dizia boa tarde com a consciência de que se dizia adeus
às vezes sem saber-se que era para sempre que se dizia
adeus
e todo o tempo se passava em coisas de imaginação
sem arriscar demasiados movimentos
até pela simples razão de que as rajadas de luz
eram a bem dizer as únicas estradas
na maior simplicidade geográfica dos sítios…

quando era extremamente fácil comunicar com tudo
pois bastava existir ser natural afinal as maneiras mais
perfeitas de falar
e só havia em tudo um compromisso com a vida …

quando os deuses eram mansos e se lhes podia quase
passar a mão pelo dorso
e a própria noite vinha em quatro patas com os olhos
húmidos de um animal
e a natureza não era uma doença mas sim
uma alternativa de outro estado de ânimo
e a penumbra não era uma forma de sombra sombra
diluída que
no interior das casas sobe dos pés das mesas ou dos cantos
das cómodas
mas simplesmente um campo mais propício para a
imaginação
uma maneira de ver as coisas por dentro
de habitar salas ou a vizinhança de certas árvores…


Ruy Belo


Sempre que leio e releio Ruy Belo e este poema em particular
sinto que acebei de ter o privilégio de ler algo de uma beleza e encanto desmedido...
Quem foi este homem que escrevia assim?
Quem foi este homem capaz de ver assim o mundo?

Agradeço-lhe ter-me deixado através da poesia
ver um pouco do mundo como ele o via.

Isabel


" Les agapanthes"
Claude Monet

Dia de renascer

Depois de todas as sombras
mergulhamos na luz.
Hoje é dia de renascer.
Não!
Hoje é dia de NASCER.
Começar de novo.
Hoje vamos escrever um poema
de uma página totalmente branca.
Hoje o mundo
vai comecar de novo
só para nós.
Hoje tu e eu
seremos
o primeiro e único homem
a primeira e única mulher.
Hoje é dia de sermos
os ÚNICOS
VIVOS.
Hoje
somos
Adão e Eva.
"Adam and Eve"
Gustav Klimt
Na vida cada sombra
indica que próximo brilha a luz.

quarta-feira, outubro 04, 2006

A margem da alegria

Já o tenho
está nas minhas mãos… precisamente agora
estou à espera dele à mais de 1 mês
e agora está aqui
o livro tão esperado
tão desejado
“A margem da alegria” de Ruy Belo


Tenho uma relação de pele com os livros
pele, página, papel, pele
gosto de acariciar os livros que amo
porque há livros que amo
apetece-me fazer-lhes festas
folheá-los carinhosamente
pousar-lhes as mãos em cima
e deixar ficar
ali como se através do toque
pudesse chegar-lhe ainda mais fundo
como se através do meu calor
pudesse retribuir-lhe um pouco do que ele me dera.

Este livro é das coisas mais belas que já li
não posso deixar de aqui partilhar um pouco.

Este livro que é todo um único poema
Tem como base o gigantesco amor de Pedro e Inês
Mas Ruy Belo como se isso fosse pouco
Soube sábia e sentidamente
Transformá-lo em muito, muito mais
que a história de Pedro e Inês
e ainda, em muito, muito mais
que um poema…

Começa Ruy Belo por nos localizar
desta maneira no tempo, no espaço e até
nele próprio e numa forma própria de fazer poesia,
em que a critica social está sempre presente:
critica com beleza,
é cru sem ser obvio,
é duro, sem ser violento…
Tudo isto consegue neste livro assim…
Leiam devagar
vale a pena saborear cada palavra…


A margem da alegria (excertos)
I
quando as pessoas já eram mortais mas não o eram assim
excessivamente
e se reconheciam a si próprias nuns olhos alheios
e a sua pele humedecia e se tornava cada vez mais fina
sem deixar de ser pele, sem passar a ser cútis a não ser nos anúncios…

quando a estratégia do prazer era tão minuciosa e forte
que com a astúcia habitual da morte conspirava
mas sempre era possível a surpresa do prazer
independentemente da cíclica multiplicação das
represálias
como narrar à noite a última aventura desse dia
ou apenas falar de uns olhos onde havia a água da doçura
e á volta um rosto paciente e sereníssimo
bastante para alguns primeiros planos de um filme a preto
e branco
bastante para pensar que apenas para o ver valeu a pena
ter nascido
quando o mínimo gesto era um gesto criador
e as coisas começavam e o mundo sempre em simples sons
se descobria
quando ninguém ainda se movia na periferia da
necessidade ou da conveniência
e havia gigantescas tílias que nos davam sombra em troca
do cansaço
e a formosura das mulheres se notava até na violência
do silêncio
junto às folhas recentes das amigas amoreiras perto de
ameixieiras encarnadas
quando as àguas do mar eram ainda aguar sem medida
revolvidas
e não como hoje são domésticas e mansas
quando os homens viviam na intimidade da sensibilidade
e dilatavam
as narinas para aspirar profundamente o cheiro do suor
das mulheres quando após o esforço principia a
arrefecer
e todas as palavras eram relativamente novas e caíam
como pétalas
e não havia tantas tão miúdas minudências rodeando
os corpos…

Ruy Belo

Leio e releio este poema e este homem, esta pessoa, este poeta tem o dom de continuar sempre a fazer-me descobrir sempre mais um encanto escondido de forma maravilhosamente deliciosa entre as palavras e
sempre, sempre que o leio sinto-me tão pequenina.

Isabel


"Ireses"
Claude Monet

segunda-feira, outubro 02, 2006

Do virtuosismo

Virtuoso: do Lat. virtuosu
adj.,
que tem virtudes;
honesto;
eficaz;
casto;
ant.,
valoroso, esforçado.
Poema da jovem virtuosa

Ela é no essencial
uma jovem virtual
equilibrada, organizada
limpa e arrumada
é perfeita não normal
A jovem virtuosa
Não tem sujidade nem pó
O pó esconde-o airosa
Debaixo do tapete rosa
e sujar
na verdade
pouco se suja estando só

A jovem virtuosa
tem tudo sempre em mente
É higiénicamente arranjada
arranjadamente
composta
compostamente
cordial
cordialmente
sociável
sociavelmente
amigável
amigávelmente
correcta
correctamente
educada
educadamente
bondosa
bondosamente
Cooperante
cooperantemente
motivada
A jovem virtuosa
é sempre honestamente
uma sincera
mente


A jovem virtuosa
arrumou a juventude num alçapão
presa num baú velho e escondido
guardou no peito o embrião de coração
já sem ar e há muito adormecido


A jovem virtuosa
apagou a poesia e a prosa
esqueceu dança e as cantigas
cortou a a veia amorosa
abandonou amigos e amigas


A linda jovem virtuosa
de virtude é duvidosa
Quando na cama dengosa
Expõe as carnes cor-de-rosa
E põe toda a emoção
brincando com o cão
Isabel



" Young girl playing with dog"
Jean-Honore Fragonard