sexta-feira, setembro 29, 2006

Histórias de aprender e encantar

Para a minha amiga Carolina com amor:
A Carolina encontra a Princesa Lia


Era uma vez, há muito, muito pouco tempo, num país por vezes encantado e desencantado outras, uma linda menina chamada Carolina. A Carolina era uma menina com muita, muita sorte.
Imaginem só que tinha um pai e uma mãe que a adoravam, e ainda tinha uma madrasta boa e um padrasto bom que também a adoravam.
Dizia muitas vezes:
Tenho tanta sorte, tenho dois pais e duas mães.
Como todas as crianças tinha um mundo só seu, onde habitavam todos os seres e todas as personagens que a sua imaginação alcançava. Um mundo belo e colorido cheio de lindas paisagens, pássaros esvoaçando livremente no céu azul, peixes de todas as cores serpenteando pelos muitos lagos, mares e riachos que aqui e ali azulavam o verde dos extensos campos salpicados de todas flores e arvores carregadas de todos os frutos.
Haviam lindos castelos, príncipes e princesas, festas alegres e divertidas, havia música por todos os lados e tanta era a música que a natureza e as pessoas todos pareciam dançar.
Haviam vestidos cheios de laços e rendas, e cabelos longos e sedosos ornamentados de flores e os belos cabelos e as saias dos vestidos rodopiavam pelos salões de baile onde os príncipes e princesas se viam, e ao primeiro olhar, se começavam a amar.
A Carolina gostava muito histórias de príncipes e princesas:

Deitada na sua cama que era um mundo
fez do tecto um céu profundo
salpicou-o de brilhantes estrelas
ali sonhando as histórias mais belas
imaginando tanto que a imaginar pintava telas

Via longínquos reinos encantados
por lindas e floridas paisagens rodeados
via princesas com longos vestidos de cetim
lindas flores, lindas salas, lindos vestidos
via um mundo de beleza sem fim

Por vezes um mostro ou uma bruxa malvada
seus sonhos vinham perturbar
nada que a bondade de uma linda fada
não fizesse de novo o reino encantar

Nos seus sonhos de menina linda
o amor é sempre o vencedor
É sempre em beleza que a história finda
com príncipe e princesa perdidos de amor.

E foram felizes para a eternidade
assim deve a história terminar
assim deve ser a felicidade
dois seres que vivem para amar.

Num lindo dia de sol a Carolina passeava pelo jardim perto de uma das suas duas casas, e encontrou sentada junto de um pequeno lago artificial uma linda princesa, olhando os peixes que eram enormes e muito coloridos.
Abrandou o passo cheia de curiosidade ,andava e disfarçando ia olhando a bela princesa.
Estava tão concentrada observando que se assustou quando de repente a princesa a chamou.
- Olha, miúda!
- Oh miúda!
- Sim tu, estou-te a chamar.
- Vem aqui por favor.
A menina nem pensou duas vezes.
Uau! Era um sonho a tornar-se realidade!
Demais!
Altamente!
Espectácular!
A princesa está a chamar por mim.
Ai, quando eu contar isto às minhas amigas, vão-se passar!
- Olá. Disse a princesa.
- Explica-me uma coisa miúda, porque é que estes peixes são tão grandes?
- Lá de onde eu venho os peixes deste género vivem nos lagos e nos riachos e são muito mais pequeninos.
-Pois respondeu a Carolina, mas aqui nas cidades não há lagos naturais, percebes?
E então para ficar mais bonito constroem estes para nós os meninos podermos ver os peixes.
- Ah, já percebi para vocês verem de forma artificial como é a beleza natural, certo?
- Pois. Pois é isso, mais ou menos! Disse a Carolina um pouco desiludida.
-E então porque é que os peixes são muito maiores do que lá no meu reino?
-Bom, é que estes comem muito desta comida às bolinhas que vendem ali, estás a ver?
Acho que os senhores aqui do jardim, para arranjarem dinheiro tem de vender estas coisas e como os meninos gostam de ficar muito tempo com os peixes acabam também por lhes dar muita comida, dão muita o dia todo, percebes?
Por isso é que eles estão assim tão grandes e gordos. Explicou com muito jeito a menina Carolina
- Sabes, acho as coisas aqui muito estranhas. Disse a princesa com alguma tristeza.
Quando vim para aqui vi muitos pobres com fome.
Vi tantos cães e gatos que pareciam abandonados e esfomeados.
E mesmo aqui no jardim, vejo velhinhos sentados sozinhos, e talvez também tenham fome.
Os peixes assim coloridos lá no meu reino são só para admirar. Como vivem em lagos naturais comem o que a natureza lhes dá e a natureza quando está bem, quando não está doente dá na medida certa sabias?
Porque é que aqui não ensinam os meninos a admirarem os peixes. A fazer companhia a estes velhinhos sozinhos e com tantas histórias para contar.
E a dar comida aos pobres.
A cuidar dos animais abandonados.
Em vez disso constroem estes lagos pequeninos e deixam as crianças estar horas a dar demasiada comida a peixes que já estão tão gordos que mal conseguem nadar neste lago tão pequeno.
Parece que aqui, onde tu vives, está tudo ao contrário!
Sabes miúda, isto aqui até não é feio mas esta tudo de pernas para o ar.
Se eu pudesse dar um nome a este reino chamava-lhe “Reino de pernas para o ar”.
A princesa riu-se mas o seu riso era meio trocista meio triste.
A menina Carolina riu também.
- Estamos a rir mas isto não tem muita graça pois não? Perguntou meio sem jeito, a Carolina.
-Não, não tem.
Há tantas coisas pequeninas, que até as crianças podiam fazer, se os adultos olhassem para o outro lado da vida e ensinassem as crianças a fazer o mesmo.
- Foi isso que vieste aqui fazer?
-Não vim ver como eram as coisas aqui…
-Vim brincar.
-Mas vi isto e não fui capaz.
-Por isso vocês, os meninos quando querem brincar vêm para o Reino de Encantar. Porque o vosso tem demasiadas coisas tristes erradas e feias.
Não é?
-Nunca tinha pensado nisso, mas acho que sim. Respondeu a menina.
-Sabes hoje aprendi uma coisa contigo, Princesa.
-A sério miúda?
-Diz lá?
-Aprendi que o mais fixe nos contos de encantar não são os vestidos, nem os príncipes, nem as princesas, nem os salões muito ricos.
O mais fixe, o mais bonito é que as coisas estão certas. A natureza está feliz, porque o homem não estraga o que é natural. Os velhos não estão sozinhos porque as crianças e os adultos curtem ouvir as suas histórias e dão bué valor às coisas que eles sabem da vida. Não há pobres nem gente sem casa e sem nada porque todos são bondosos e se ajudam. Os animais ou estão livres ou estão com os seus donos pois ninguem lhes faz mal nem os abandona, não é?
-É ! É ! Disse a princesa sem palavras de espanto.
E quando aparece alguém maldoso lá no meu reino, damos logo caibo dele!
Como não gostamos muito de fazer mal a ninguém, normalmente ensinamo-lo a ficar bom.
Acabou por dizer a princesa em tom de brincadeira.
A Carolina riu às gargalhadas.
-Pois é, devia ser assim também aqui. Disse inconformada.
-Afinal como se chama o teu reino perguntou a princesa?
-Aqui chamamos-lhe país. Este é Portugal. E eu sou a Carolina
-E o teu? Quis saber a menina.
-O meu chamasse Naturalia. Disse a princesa com orgulho. e eu sou a Lia.
-Muito bonito!
-Olha vou-me embora, vou falar um bocadinho com aquela velhinha que ali está sozinha.
-Foi muito louco conhecer-te princesa!
Um dia vou lá à Naturalia ter contigo.
-Esta bem, fico à espera! Gritou a princesa, acenando para a menina que se afastava correndo para junto da velhinha.
Passas lá tanto tempo, estou farta de te ver por lá. Pensou a princesa Lia.
Quando no teu quarto olhando o tecto inventas histórias de encantar, tantas vezes é Naturalia que estas a inventar.
A Carolina ficou sentada conversando com a velhinha e adorou as histórias que ela lhe contou.
No caminho para casa, sentiu dentro do peito uma alegria especial que ainda não conhecia, pensou que devia ser a alegria de dar alegria a alguém.
Caminhava sorrindo e saltitando. Antes de subir as escadas do prédio a correr gritando pelo pai e por mim, ainda desejou ir depressa a Naturalia contar à princesa Lia as histórias que a velhinha lhe contara.
Pai!
Isabel!
Conheci uma princesa, chamada Lia.
Super fixe!
Vocês nem imaginam... principiou contando ofegante e contente...
Isabel


"Peixes Coloridos"
Alfred Gockel

Missão: sonhar - Missão: Agir

Hoje chega a Carolina. A Carolina tem 9 anos. É filha de pais divorciados, mas diz que tem sorte
porque tem dois pais e duas mães.
Pai há só um e mãe há só uma, mas a Carolina tem mesmo a sorte de ter uma madrasta e um padrasto que a adoram.
A Carolina é uma criança feliz.
Eu sou a madrasta (Como esta palavra é feia, mal escolhida, hei-de inventar outra!) .
Hoje, pensando na minha missão na vida, conclui que tinha a obrigação, eu e todos nós, de melhorar um pouco o mundo.
Conclui que tinha também por obrigação transmitir isto à Carolina. Porque embora não sendo mãe não deixo de ter a missão de a educar quando está comigo e com o pai. Porque nos cabe a nós ajuda-la a tornar-se uma pessoa sempre melhor e sempre mais bonita. E porque também ela deverá contribuir, primeiro como criança e depois como adulta, para que o mundo seja sempre melhor e sempre mais bonito.
Gostava que ela sonhasse com um mundo melhor e que ajudasse a torna-lo melhor.
Sonhar é bom mas o sonho só por si não move o mundo.
Quando um homem sonha o mundo pula e avança, se o homem quiser tornar o sonho realidade e agir.
Gostava de ajudar a Carolina a agir. Para a ajudar tenho eu de agir e educar.
Assim está decidido.
Apartir de hoje todas as sextas feiras, de quinze em quinze dias vou escrever uma história para a Carolina que a divirta e que a faça crescer feliz bonita e bondosa.
Quero ajudar a que cada cêntimetro de crescimento em altura seja tambem um cêntimetro de crescimento como pessoa.
Não a pus no mundo mas quero ajudar a que o mundo tenha mais uma boa pessoa.


Isabel

"O sonho"
Henri Matisse

quinta-feira, setembro 28, 2006

A VIDA EM TRÊS SACOS

Nada

Ontem
tive tudo
e
mais ainda,
Tive tudo
que pode um ser humano precisar
e ainda
tudo que pode uma mulher sonhar

Hoje
é dia de ressaca
de ardor no olhar
de cabeça a latejar
Mas tenho o coração cheio
a alma a transbordar
meu amor deu-me
um tesouro
um coração a brilhar
não é de ouro
é de amar

Por isso
hoje
é tambem dia de pensar
naqueles
para quem a vida é pesar
naqueles
sem nada
sem comida, sem lar
com o frio do tempo frio
e o frio do coração vazio
sem amor e sem amar
sem nada a declarar

sem um beijo
sem um abraço
sem um amparo
pró cansaço

É dia de pensar
nessa pessoa perdida
que em três sacos
carrega toda a vida

Isabel ( abraçada ao meu tesouro, penso em quem abraça o nada)


"A vida em três sacos"
Nuno Nascimento

Obrigada

Tesouro

Nenhuma palavra
nenhuma frase
nenhum poema
mais belo que seja
poderá chegar
para agradeçer, amor
a magia da noite
que inventaste para mim
A sala,
era sala
era quarto
tinha mesa
tinha cama
mil e uma noites
passaria contigo ali
A mesa ,
cobriste de negro vermelho e branco
negro de requinte
branco de ternura
vermelho de paixão
que deliciosa à combinação
As flores,
não compraste
não roubaste
não pediste
fizeste-as...
tu...
foi como se as tivesses plantado para mim
A musica,
Era mais que a escolha certa
tua a composição,
letra e música
Tua
a voz
e ontem mais de dentro que nunca
menos rouca, mais suave, mais terna
suavizada para mim
só para mim
O postal
pintado por ti
acompanhando cada traço
cada mancha de cor
a palavra certa
uma declaração de amor
um beijo, um abraço
O quadro
indescritível
pintaste
o mais belo dos girassois
inspirado
num poema que te dei
ai coração
que ficou deslumbrado
ai mulher
de obrigada desajeitado
nem soubeste
dizer
obrigada meu amor
é muito mais que imaginei
Por fim tu
lindo
nu
entregue
oferecido
muito mais
que o prometido
Obrigada
meu amor
agradecer-te-ei
o resto da vida.


Isabel


Amo-te Miguel, perdoa que com tanto amor no peito, seja tanta a falta de jeito.

"Couple et Fleurs"

Marc Chagal

quarta-feira, setembro 27, 2006

Assim falou o amor

Celebração


Eu e tu
Celebramos
Hoje
A nossa união
Gramaticalmente
Comemoremos meu amor
Comemoremos esse dia
em que famintos sedentos
de Amor e Vida
Começamos por juntar
Dois solitários substantivos
singulares
Eu e tu.

EU e TU
Dois substantivos
Um masculino
MACHO,
E um feminino
FÊMEA,
Fizemos a terra tremer,
o mundo abanar
fizemos até Deus acordar.
E logo ao primeiro dia
o NÓS se soltou
os dois solitários substantivos singulares
num gigantesco e poderoso
Substantivo plural
NÒS
se tornaram.
Sem perca de tempo
sem hesitar
sem de NÓS duvidar
sem vontade de parar
de criar.
NÓS inspirados
por tu e eu
cheios de força
levámos a peito
as ideias.
Tu e eu
abraçados
NÓS, portanto
pegámos a braço
três vazios substantivos plurais:
Casas
Camas
Mesas
e destruímos
e construímos
e construímos
três cheios substantivos singulares
CASA
CAMA
MESA
Tu e eu
Agarrados
NÓS
Cheios de garra
Trocamos substantivos plurais
E seus pronomes possessivos
Meus objectos
Teus quadros
Meus livros
Tuas musicas
Meus filmes
Teus amigos
Minha família
Por diferentes pronomes possessivos
NOSSO
NOSSA
E ainda
por o
mais altruísta dos verbos
o verbo
PARTILHAR
E na partilha embalados
Dançamos enlaçados
Rodopiámos pela vida
Tudo partilhando
Laçamos os verbos
Desejar, querer, procurar,
Acarinhar, compreender,
Dividir, repartir, caminhar
Encontrar, projectar, criar
Embarcar, abraçar, beijar, ir,
Ver, sonhar, afundar, mergulhar
Entregar, receber, projectar
Ser
E nesse enlace, nessa partilha
havia uma VIDA
em NÓS a RENASCER
Quando o sol nesse dia
o nosso renascer quis ver
Enquanto a madrugada se abria
em nós crescia
o maior dos verbos
o verbo
AMAR

Deslumbrados
Pela felicidade
Nosso amor
Quisemos cantar
Quisemos ao mundo gritar
Quisemos o mundo encantar.

Quem sabe
O amor
Fizesse o mundo mudar.

Felizes
juntámos os adjectivos
Belo
Maravilhoso
Grandioso
Poderoso
Corajoso
Forte
Intenso
Extenso
Construtivo
Imaginativo
Apelativo
Intuitivo
Criativo
Infinito
Bonito
Excitante
Entusiasmante
Alucinante
Calmante
Saciante
Revigorante

E cantando e gritando
esse amor fomos adjectivando
Mas maior que qualquer adjectivo
o Amor os adjectivos
rejeitou.

Como te cantamos
Como te celebramos então
Perguntamos NÓS
O amor respondeu:
Adjectivem queridos substantivos
Adjectivem
mas não esqueçam nunca
nunca as reticências.
Pois nem a mais cientifica das ciências
Nem o mais poeta dos poetas
Nem o mais filósofo dos filósofos
Nem o mais sábio dos sábios
Adjectivará um dia o amor
Ao amor basta-lhe ser amor
Cantem-no
Escrevam-o
Prestem-lhe homenagem
Com palavras e adjectivos
Mas quando verdadeiramente
O quiserem celebrar
Amem
Amem-se

(Assim falou o amor)

Isabel



"O beijo"
Gustav Klimt

Amor singular

Para o meu homem, o meu amor, meu amigo, meu amante...
Neste dia especial ... um poema que gosto muito, muito...


Que nome dar a dois pontos que se encontram
senão um ponto apenas?
Como chamar a duas linhas que unem os extremos
senão uma única linha?
Duas gotas de águas que se juntam
não são uma só gota?

Não serão os oceanos apenas nomes para um único
nome: mar?
Todos os continentes são a terra.
Todos os passos o andar.
Todas as palavras são a fala.
Todas as folhas, o livro.

Quando o mesmo se une, cumpre-se.
Tem o mesmo sentido, a mesma matéria, o mesmo nome.
É uno. Único. Diverso apenas esse modo de tocar uma única boca.

Como hei-de chamar-te agora?
Teu nome é plural.
Plural é o meu nome.
Só o amor que os une é singular.

Joaquim Pessoa



" Equilibrio Perfeito"
Alfred Gockel

Parabéns meu amor pelo nosso dia!

" Mãos dadas almas chegadas"
Ruben David Markes

Todos os dias são dias de celebrar o amor
Mas para nós dois, o dia 27 é especial...
Foi o dia que começamos a namorar
e no mesmo dia (para quê esperar!) a partilhar a vida juntos.

Demos as mãos e partilhamos nossas vidas e nossas almas.
Somos um dos casos de amor à primeira vista
Não houve hesitações,

Soubemos de imediato ia ser assim
que era o que queriamos
não importava mais nada
certo ou errado, queriamos assim
Juntar os trapinhos e ficar juntos.
FOI A MELHOR DECISÃO DA MINHA VIDA!
Iniciamos nesse dia
uma vida a dois
feita de amor
de paixão
de carinho
de amizade
de desejo
de ternura
de carinho
de desejo
e de partilha
desse dia para a frente
partilhamos tudo
o bom e o mau
com muita discussão
muito amuo
muitas lágrimas
mas tudo superado por este amor
por esta forte vontade de estar e ficar juntos
O amor é de facto poderoso...
Hoje celebro esse dia em que decidimos
unir-nos...
Parabéns amor...
Amo-te profundamente...

Isabel

terça-feira, setembro 26, 2006

Se o meu amor fosse poeta

Do Erotismo...


Vi e ouvi, este fim-de-semana, na TV2 uma conversa entre Alberto Pimenta e Paula Moura Pinheiro, num programa sobre o Erotismo. Ele maravilhoso ela bem menos maravilhosa.
Ele provocou em mim uma sensação de encanto e deslumbre.
Emanava de sua voz suave e pausada, do seu olhar suave mas atento e desperto, uma paz, um estar de bem com a vida e as coisas.
Essa paz emanava uma força poderosa…
Dai o encanto e o deslumbre…
Maravilhou-me o poder que podem ter um par de olhos em paz…

Fiquei a divagar sobre a beleza do Erotismo,
Tantos são as formas de erotismo,
Tantas as suas formas de representação
Literária, poética, estética …
todas belas!

Não é belo,
o erotismo envergonhado,
velado, ocultado
na timidez dos olhares,
no suave convite dos gestos,
nas palavras não ditas,
nas palavras desditas
nas palavras ditas sem sentido
nas ditas com um sentido que não o sentido dito?
Não é belo
o entendido do subentendido,
o vislumbre do que foi escondido,
a arrepio do toque refreado?
Não são belas
as sombras e os sombreados
os brilhos e os abrilhantados?
Não é bela
a sinceridade mentida
a mentira sincera
o desejo controlado e o descontrolado
o risco calculado e o cálculo arriscado?
Não é belo
o erro que é certo?
Não é belo
o adivinhar do que está coberto?
Não é bela
a vontade de descobrir o encoberto?
Não é belo
o desejo receado
o receio do desejado?


E não é belo
o erótico assumido
cru, nu, despido de qualquer disfarce?
Não é bela
a carne, o corpo, a pele, a boca,
a mama, a anca, a barriga, o sexo?
Não são belas
as mãos os braços, os pés, as pernas,
os olhos, os lábios, os cabelos, os pelos?
Não é belo
o toque, o beijo, o abraço
a carícia, apalpão, a lambida
Não é belo
o entrar, o sair, o penetrar
o morder, o agarrar, o lamber
o beber, o comer, o beijar, o mamar,
o apalpar, o acariciar, o arfar
Não é belo
o suspiro, o grito, o uivo
o ai, o ui, o susurro
Não é belo
o suor, a saliva
o sumo, a polpa a seiva
Não é belo
o desejo, a vontade,
a sede, a fome,
a cobiça , o anseio?
Não é belo
o prazer, o agrado,
a alegria, o contentamento
partilhado


Não é belo este poema?
Girassol azul


1. Como o moscardo distingue o girassol assim eu distingo
cada cadeira em que estiveste sentada
2. Meter-te a língua e respirar fundo
como o pisco faz com o girassol

3. Só de imaginar a polpa do girassol
já uma cabeça chora de alegria


Alberto Pimenta




"O girassol grande"
Alfred Gockel



Se o meu amor fosse poeta
gostaria de o escrever para mim
e enquanto eu estivesse a ler
sua língua em mim meter
até de prazer eu gemer
a polpa imaginaria
e a cabeça choraria
de alegria
Isabel

segunda-feira, setembro 25, 2006

Esperança

Para ti,
que és a esperança
em mim
Com toda
a esperança
neste amor
que é nosso
Isabel

Tu és a esperança, a madrugada

Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de setembro,
quando a luz é perfeita e mais dourada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.

Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.

Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.

Eugénio de Andrade

"Hope"
Puvis de Chavannes

Para o meu principe encarnado

Encarnada
Encarnada era a noite
em que teu sorriso
sorriu para mim
e e eu sorri
encarnada a noite
noite de tudo e de nada
nada trazias
eu não tinha nada
e juntos
multiplicamos
somamos
unimos
nossos nadas
e no nada
ficamos
juntos
donos do mundo
senhores de tudo
Encarnada era a noite
encarnada era eu
flor aberta e entreaberta
pelo teu adocicado
desejo encarnado
paixão de carne acesa
que acesa encarnou em mim
encarnada era eu
Descarnados
de nós
carne a carne um no outro
rasgando a carne fundo
ficámos
sós
um no outro
longe
do resto do mundo
Encarnadas são as noites
muitas todas
todas as que se seguiram
encarnados os dias
as noites
as vidas
unidas
agarradas
marcadas
dentadas
beijadas
mordidas
nossas vidas
a dois vividas
Encarnadas
no tempo que é sempre
encarnadas
de amor
de paixão
de sonho
que é real
e queima
e arde
e fere
ferida
de
amor eterno
encarnada
a ferro e fogo
marcada
palavra por palavra
soletrada
Meu amor
encarnado
é o teu beijo
que quero
e anseio para sempre
M-E-U A-M-O-R
E-M T-I M-E Q-U-E-R-O
S-E-M-P-R-E
E-N-C-A-R-N-A-D-A



Isabel ( com muito amor para o principe que me sorriu nessa noite encarnada, e tornou a minha vida encarnada de amor )

Amo-te muito Miguel... não esquecerei nunca aquele sorriso.



"Red Night I"
Robert J. Ford



"Red Night II"
Robert J. Ford

sexta-feira, setembro 22, 2006

Não estou triste

O que se segue
não é tristeza
é saudade
é beleza

O que se segue
não é dor
é celebração
de um grande amor

É um sorriso
É uma dadiva
É um tributo
Uma homenagem

É um obrigada
talvez sem jeito
É um beijo
vindo do peito

Sei que estás aqui ao meu lado
como vês não estou triste
sossega, chega-te mais a mim
e lê comigo o que escrevi para ti...


Isabel

Para ti avó anjo

Um poema que sei não vais entender mas vais gostar muito.

Uma pintura simples e bela, representando um vale de girassóis,
é assim que imagino o sitio onde estás: um imenso vale de girassóis.

E uma história
A história do meu anjo/borboleta que és tu.

De um lado cantava o sol

De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?

Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!
Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . . .


Cecília Meireles



"Vale dos girassóis"
Richard Leblanc

O meu anjo/borboleta

Na vida por vezes o conforto
vem de sitios estranhos
que acabam por se tornar familiares
e de uma beleza invulgar

Vou contar-vos uma longa história:

Toda a minha vida
quase até ela morrer, vivi com uma tia e a minha avó
Houve mesmo uma altura
em que estive separada dos meus pais
vários anos, e a tornei minha mãe

Esta ausência dos pais
Foi uma experiência que me fez crescer
talvez demasiado rápido
me marcou para sempre
e me fez ganhar um anjo

Eu explico:
senti-me só, tinha 7 anos
sem mãe nem pai
e só com duas velhas
a minha avó e a tal tia
então:
Comecei por ter que crescer
e rápido
Depois fiz da minhã avó minha mãe
Só depois
descobri quão linda era pessoa
que escolhera para mãe

A minhã avó era feia,
fisicamente
baixinha
e gorducha
A minhã avó era
rezingona
pouco inteligente
forreta
insensivel
irritante
critica ( em excesso)
ignorante
e um pouco maldosa até
mas
adorava-me
não se limitava a gostar de mim
A minha avó adorava-me

Comigo
e aos meus olhos
era linda

Dava-me o mundo
se pudesse...

Deu-me tudo
e de tudo,
ralhetes
brigas
gritos
discussões
queixas
amor
carinho
protecção
dinheiro
bondade
apoio
tudo...

Cozinhava para mim,
especialmente para mim.
A qualquer hora do dia,
sempre que eu pedisse,
tudo o que eu pedisse,
Andava a pé kms
à procura dos melhores
e mais frescos ingredientes.
Por isso o que fazia
tinha um gosto especial.
Sabia à ternura e à adoração
que tinha por mim.

( quero confessar que estou a escrever e a chorar
passaram 14 anos e ainda choro a falta dela)

A minha avó
deu-me todas as suas jóias
quando eu tinha 13 anos.
Guardou-as
num cofre a vida inteira
sem as usar
e deu-mas todas
sem hesitar.
Queria simplesmente
que fossem para mim
a sua neta adorada.

Sabem que fez,
a neta adorada?
Eu
perdi ou
vendi tudo
aos poucos,
anos mais tarde.
Imperdoável !
Restam-me apenas
as escravas de ouro
que guardarei para sempre.

A minha avó
deu-me as suas lágrimas.
Quando se zangava
a seguir
ficava muito, muito, triste
e escondia-se para chorar.
Fazia beicinho.
Juro que aquela velhinha
feiosa a fazer beicinho
é a imagem mais enternecedora
que guardo.
Ficava tão linda
a minha avó...

Estas lágrimas
e o seu doce beicinho
só a mim mostrava.
Era o nosso segredo.

Só eu podia saber
que ela tinha um coração
e que era lindo
Só eu podia saber
que ela tinha sentimentos
e que eram lindos
Só eu podia saber
que tinha alma
e que era linda

Como se o seu coração seus sentimentos sua alma
tivessem como as jóias sido guardados para mim
a vida inteira.
Até ao dia em que tambem isso me entregou.

A minha avó
deu-me tudo.
Deu-me a mim
e só a mim
o seu lado belo.
O mais belo que tinha
escondido
como um tesouro,
guardado durante
uma vida,
reservado para mim.

A minha avó era linda
e adorava-me.
Para mim ela era a mais linda
e eu adorava-a.

Um dia ela morreu
e eu que estava longe
do país
recusei-me a tomar conhecimento.
Esta á a verdade, juro!
Disseram-me
e não reagi.
Fui para uma festa,
diverti-me,
e simplesmente não tomei conhecimento

Até 1 ano depois.
No avião de regresso a Portugal
disse que assim que chegasse
ia pedir à minha avó que cozinhasse para mim
Aí tive de ser informada, pela segunda vez,
que a minha avó tinha morrido.
A minha avó tinha morrido!
A minha avó tinha morrido!

A consciência desse facto levou
muito tempo
muita dor
muita saudade
muita lágrima

Durante esse tempo
fui sempre sentindo
a sua presença
tomando conta de mim,
olhando por mim,
sempre!

Toda a minha vida
acreditei em anjos
e sempre vi os anjos
como borboletas
de cores suaves
esvoaçando
sobre nós.

Eu tenho
a borboleta mais bela
o anjo mais protector
esvoaçando
sobre mim.

Está comigo
sempre
sempre
sempre
sem me abandonar nunca.

A minha avó
é o meu anjo/borboleta

Isabel ( com os olhos lavados em lágrimas de saudade)

Para a minha avó: Desculpa avó ter recebido tanto e nunca te ter dado nada, mas adorava-te, adoro-te sempre, espero que saibas...


"Alegória del Sol"
Salvador Dali

quinta-feira, setembro 21, 2006

O POEMA

I
Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo agudíssimo claro
apontado ao coração do homem
falo
com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta
e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme
II
Piso do poema
chão de areia
Digo na maneira
mais crua e mais
intensa
de medir o poema
pela medida inteira
o poema em milímetro
de madeira
ou apodrece o poema
ou se alteia
ou se despedaça
a mão ateia
ou cinco seis astros
se percorre
antes que o deserto
mate a fome
Luiza Neto Jorge


"Poet's Passage"
Don Li Leger

quarta-feira, setembro 20, 2006

Tantas "Meninas tontas" por aí!

Poema da Menina Tonta

A menina tonta passa metade do dia
a namorar quem passa na rua,
que a outra metade
fica pra namorar-se ao espelho.

A menina tonta tem olhos de retrós preto,
cabelos de linha de bordar,
e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho.

A menina tonta tem vestidos de seda
e sapatos de seda,
é toda fria, fria como a seda:
as olheiras postiças de crepe amarrotado,
as mãos viúvas entre flores emurchecidas,
caídas da janela,
desfolham pétalas de papel...

No passeio em frente estão os namorados
com os olhos cansados de esperar
com os braços cansados de acenar
com a boca cansada de pedir...

A menina tonta
tem coração sem corda
a boca sem desejos
os olhos sem luz...

E os namorados cansados de namorar...
Eles não sabem que a menina tonta
tem a cabeça cheia de farelos.

Manuel da Fonseca

" Sem titulo"
Picasso
A menina tonta lê um poema
Um dia a menina tonta
leu um poema
o livro tinha
uma capa
da mesma cor do vestido
Que divertido!
Pegou no livro
levou-o para a rua
para fazer conjunto
ficar bonita
e parecer inteligente
Que atraente!
Passeou pelos passeios
passeou ela e o livro
cansados um do outro
eram conjunto
sem sentido
Que querido!
Cansada, coitada
num banco se sentou
aborrecida, entediada
no livro lá pegou
Com as pontas dos dedos
com um cuidado, delicado
foi folheando as páginas
devagar
sem ligar
até o tal poema encontrar
"O Poema da menina tonta"
tornou-a ainda mais vangloriante
se um livro falava nela
devia ser importante
Que ignorante!
Orgulhosa
voltou para casa
Pelo livro acompanhada
achando que o livro não era nada
ela sim, era gente
e passeava alegremente
sua beleza inteligente
Que demente!
O livro,
depois de passeado
e folheado
à sua estante regressado
crédulo pensou:
Quem sabe
um dia
me volta a pegar
quem sabe
em vez de folhear
Quem sabe
"O Poema da Menina tonta"
e
chora desta vez
triste
e
penosamente, talvez
quem sabe
e
entende
que depois de chorar
muito tem de mudar
e
se deixar de ser tonta
e
consciência
ganhar
então a menina
outrora
tonta
já se pode
orgulhar...
Isabel ( com alguma/pouca fé, nas meninas tontas)

Da Beleza

Despertares em pérola

Sou bela
pensei
hoje
eu
ao teu acordar deslizando para mim
quando deslizando para ti foi também meu acordar

Sou bela
senti
hoje
eu
ao despertar das tuas mãos
quando também as minhas despertavam

Sou bela
desejei
hoje
eu
aos primeiros movimentos do teu corpo
quando também meu corpo se moveu

Sou bela
soube
hoje
eu
ao teu sussurrar: amo-te
quando " amo-te" também te sussurrava eu

Sou bela
sou
bela
porque
sou
eu

Sou bela
sou
bela
porque
amo

A beleza
como a alma
solta-se
liberta-se
resplandece
cintila
e floresce
quando se ama

A beleza
é uma pérola
só tem brilho
junto à pele
de quem
ama
ou

amou
muito
na vida

Eu
sou bela
porque amo
amo
te


Isabel ( hoje cor de pérola)



"Pearl"
Salvador Dali

segunda-feira, setembro 18, 2006

Arte Viva

A Arte , seja ela qual for, quando quer passar para o lado de cá, quando quer sair do artista, e entrar em nós, tem de ser feita com a alma toda.
Tem de ter esse dom quase sobrenatural, de sair da alma do artista, e entar na nossa alma.

(Isabel)

Dizia Wang Wei pintor, poeta, caligrafo e músico Chinês da Dinastia Tang : "Quando se olha para as nuvens do Outono (na pintura), sente-se que a alma está voando; quando se encara o vento da Primavera (na pintura), tem se pensamentos vastos e vigorosos." Tudo isso quer dizer que a pintura de paisagens não é cópia simples da natureza. Para que a pintura tenha sua vida, o pintor tem de expressar o seu sentimento.
Wang Wei pintava com poesia
e escrevia poemas que eram pinturas...
E em tudo o que fazia carregava a alma com o mundo, e passava para o mundo o que ia na sua alma.
Assim é o artista...

" Into the light"
Don Li Leger
Sobre a pintura de um ramo florido
"Primavera Precoce", de Wang
Quem disse que a pintura deve parecer-se com a realidade?
Quem o disse vê com olhos de não entendimento
Quem disse que o poema deve ter um tema?
Quem o disse perde a poesia do poema
Pintura e poesia têm o mesmo fim:
Frescura límpida, arte para além da arte
Os pardais de Bain Lun piam no papel
As flores de Zhao Chang palpitam
Porém o que são ao lado destes rolos
Pensamentos-linhas, manchas-espíritos?
Quem teria pensado que um pontinho vermelho
Provocaria o desabrochar da primavera?
Su Dong Po

À freira assassinada

À freira assassinada
eu peço desculpa...

O Papa não pediu
nem a ela nem a ninguém
Eu peço
Foi incompreendido
A intenção era das melhores, não o é sempre?
Era um discurso só para intelectuais
que as televisões
que também por acidente
filmaram e difundiram.
E aconteceu que ainda por "azar" foi mal compreendido
pelo mundo dos menos intelectuais
As intenções no Supremo Representante
"Santa" Igreja Católica
Eram as melhores... como sempre, já o sabemos!
Jamais se esperou
na "Santa" igreja
que fosse tão maldosa
a interpertacão
de uma tão "singela" referência
ao profeta Maomé.
O Papa apenas se dirigia
ao tal grupo de intelectuais
e nunca, jamais, imaginou,
nem ele nem nenhuma
das mentes iluminadas
pelas mãos das quais o polémico ( sem razão, obviamente!) discurso
terá certamente passado antes de ser lido,
as consequências que daquelas
tão inocentes palavras poderiam surgir.
Foi escrito,
sem qualquer outra intenção que não fosse
a simples partilha de conhecimentos
entre um grupo de seres escolhidos,
moral e intelectualmente superiores ,
tão superiores que não fazem parte do resto do mundo
Vivendo assim na mais completa e absoluta cegueira.
Só assim se poderá compreender
que não vissem as câmaras de televisão
e dai tirarem a conclusão básica de que existiria divulgação
do tão bem intencionado e tão injusticado discurso.
Também só assim se compreenderia
que não existisse a mínima noção de quais iriam
ser as repercussões no mundo dos menos iluminadados
ou dos igualmente iluminados
mas por teorias razões e crenças
radicalmente diferentes
Tão diferentes
Que por elas
em nome delas
a freira foi assassinada
Eu quero apenas perguntar
Onde começou este assassinato?
Sua Santidade o Papa
"não pode" pedir desculpa
muito seria posto em causa se o fizesse
"Santa" hipocrisia
Graças a Deus
eu não sou ninguém
por isso posso
e peço desculpa à freira assassinada
e deixo-lhe flores
Flores com o nome: sempre noivas
Ela era noiva de Cristo
A sua eterna noiva
O mesmo Cristo em nome do qual
Sua Santidade deverá sempre falar
e falou
falou
e uma noiva de Cristo está morta




Para ela estas flores




" Sempre Noiva"
Fotografia de João Novais



Cristo Cuxificado
Morreu por todos nós diz a Igreja...
Por quem morreu a sua noiva?







"Crucifixión"
Salvador Dali



Que me desculpem os mais crentes, os com fé na Igreja Católica, os que acreditam nas boas intenções do Vaticano, a vós, simples homens e mulheres de fé curvo a minha cabeça e peço
humildemente apenas cuidado !... cuidado com o que se acha justificado em nome da fé...
Se a fé é isto
Se em nome da fé se pode fazer isto
Obrigado meu Deus
por me teres deixado, na outra margem
talvez esteja mais só
talvez
mas tenho limpa a consciência
Agora tenho vergonha
do que fazem os meus iguais
Estou triste e envergonhada por eles
Gritei
Este foi o meu grito
Pedi desculpa
este foi o meu pedido
Agora vou descansar
Vou atravessar
a ponte
correrendo para outra margem
onde uns braços abertos
me esperam
os braços do meu amor

Isabel

Amo-te Miguel, obrigado por esse abraço ...





Desconheço o autor da fotografia
Evocação
I
Não memorizo aldeias
Nem aldeões:
Meu cabelo ao vento
– lúcido, tardio –
Exibe o corte,
a ruptura
a outra margem;
A imagem destorcida em mim
Não é doce nem crédula:
Pus a vida acima da Era
O corpo acima da cela;
Os pés acima do cavalo
... e, se assim não fosse,
aí sim, seria errado.

II
Mar. Terra. Cana. Terra-Seca:
Não é preciso ir muito, para ser estranho...
Das entranhas do dia, nasço
– não se nasce do nada,
se surge do ambíguo.

Não tardo nem contento, contemplo;
E o chover não mais distrai
O piscar de olhos
– rebento do adeus
sem vestígios.
Ah, atordoar infantil!
Versos de outrora conjugados, lentos
Nada mudou......
ainda me sou,
rebentar violento.

III
Pernas acima da Terra.
Pó por cima de nós, dos sóis, dos séculos
(e não há outra ruptura
senão ser girassol!)
O cavalo segue abaixo, distante
Não é preciso estar acima,
para estar melhor...
Não me abarco
E piso,
Como quem pisa um tapete, nuvens
Detendo nas mãos um telefone...
O que ferirá mais, senão a palavra?
Palavra dúbia.
Anti-prece.
Anti-deus.

IV
Contemplo. A chuva. O guarda-chuva. A náusea.
Nos olhos pardos, o passado pesa...
E há ferida: quanta dor inflama!
Quisera não ser eu,
poeta ou passo;
Palácio erguido num confuso brio:
Meus sonhos são faces do céu que crio
Poemas ávidos, avós reversos...
... e isso, ninguém sabe.

V
Na timidez, procuro-me só:
Assim sou no extenso vão da palavra!
Quisera ser morena, alva – viúva
Tudo menos poeta e colibri:
Pousar e ser única– aldeã!
Talvez feliz.

VI
Campo, campina. Galo-de-Campina.
Há tanto, tantas lembranças mortas...
O verde sucumbiu aos olhos
Que, no chão, semeiam concreto.
Na outra margem,
lá, sempre lá,
Fico. Reservo. Esqueço...
Lanço ao rio o tonel
o túnel de meus anos.
Não hei de lembrar, como sempre.

VII
Padeço muito e lento,
muito lento.
Se chuvas, lágrimas, seres,esvaem-se,
algo fica...
Certas canções não sanam as lacunas do tempo;
Tempo-corpo, poema.
(Ah, se não fosse sopro, não fosse águia, cerveja...
se talvez flechas, não telefone...
se apenas mulher... não essa sina!)

VIII
Cruzar bares, mares, risos
E na outra margem
a palavra está...Cardíaca,
a alma reclama
Seu desejo último
– ávida, certa.

IX
Vivo;
Como isso não diz muito, adeus...
Sempre planícies por trás de serras
E rio entre montes;
sigo.
Não responda o adeus
(nem a deus peço):
Sempre mais uma ponte e um riacho
E um cavalo para domar...

X
Só,
Mas há outra margem;
E, por ser ainda crédula,
Um novo deus

Virgínia Celeste Carvalho

sexta-feira, setembro 15, 2006

História para crianças e para adultos



Hoje chega a Carolina, a minha amiga de 9 anos , de quem sou a "madrasta boa".
Estou contente por ela estar a chegar, e por isso escrevi-lhe esta história
Para ti Carolina:

História de uma gota sem cor

Era uma vez uma gota que caminhava pelo mundo, triste e sozinha.
Olhava tudo em seu redor e com os olhos muito abertos perguntava-se:
É tudo tão bonito, tão colorido, só eu nem tenho cor...
É tudo tão diferente , tão distinto, só eu sou igual a tantas outras, nem sei o que sou
Sou gota de quê afinal?
Enquanto amargurada caminhava, mesmo ao seu lado caiu
uma gota amarela, era uma gota de tinta e tinha caido de um rolo de pintar com que restauravam um prédio antigo.
Que bonita que tu és! Tão amarela e alegre!
Olha para mim não sei de onde venho, e nem sequer tenho cor!
Sou uma gota de tinta, respondeu-lhe a gota amarela.
Conversaram por uns minutos mas depressa viram que pouco tinham em comum.
A gota sem cor seguiu caminho e a gota de tinta amarela deixou-se ficar secando no chão.
Um pouco a frente, estava uma bicicleta caida no chão e já de pé um miudo corajoso raspando a poeira das calças, e pondo saliva nos arranhões provocados pela queda.
Curiosa a gota aproximou-se e
viu uma gota encarnada.
Que bonita que tu és! Tão encarnada e viva!
Olha para mim não sei de onde venho, e nem sequer tenho cor!
Eu sou uma gota de sangue respondeu-lhe a gota encarnada.
Ficaram entretidas a conversar, a gota de sangue era uma gota cheia de histórias para contar.
Mas tambem com ela a gota sem cor percebeu que pouco tinha em comum e mais uma vez cada vez mais triste continuou caminhando.
Descendo um prédio apressada vinha uma linda rapariga.
Meu deus como ela era linda, pensou a gota.
E tem tantas cores!
Lindos cabelos negros, longos, brilhantes caindo pelos ombros.
Lábios muito carnudos e rosados.
Os olhos tão azuis que pareciam o céu.
E um maravilhoso vestido verde de cetim
contrastando com a brancura da sua pele.
A gota sem cor estava encantada, escondeu-se para observar melhor a linda mulher que apressada corria para um carro parado em frente ao prédio, parecendo esperar por ela.
Mesmo no seu esconderijo, quando a mulher passou, quase lhe caiu em cima uma estranha gota azul muito, muito claro.
Era uma gota de perfume, cheirava tão bem.
Era um cheiro docinho, quente e muito intenso.
A cheirar assim bem pode ter pouca cor, pensou a gota sem cor.
Olá ! Que bonita e principalmente que cheirosa que tu és!
Olha para mim não sei de onde venho, e nem sequer tenho cor!
Eu sou uma gota de perfume.
A Ana deixou-me cair. Está muito apaixonada e ia a correr apressada. Sabes, ele não gosta nada, mesmo nada de esperar.
E agora com esta pressa toda eu vou-me evaporar.
Lá ficaram as duas a conversar sentadas à porta do prédio.
As horas foram passando e a gota de perfume cada vez estava mais pequenina.
Cada vez menos cheirosa.
A gota sem cor ficou a fazer-lhe companhia até que ela desapareceu por completo.
Preparava-se para se fazer de novo ao caminho, quando voltou a ouvir um motor de um carro.
Era o mesmo.
A linda mulher saiu, mas desta vez o seu passo já não era apressado.
A porta bateu.
O carro acelerando desapareceu.
E encostada à porta do prédio deixou a linda mulher chorando.
Que se terá passado? Pensava a gota sem cor novamente no esconderijo.
Ainda não sabia nada da vida, nem imaginava o que podia fazer alguem tão belo chorar.
Estava nestes pensamentos quando uma gota, assim com ela, tambem sem cor caiu mesmo junto de si.
Que susto!
És igual a mim!
Tambem não tens cor.
Eu sou uma lágrima disse-lhe a gota.
De imediato sentiram uma enorme empatia uma pela outra.
Achas que eu tambem sou uma lágrima?
Claro que és!
Não sabias?
Não, Não sabia. Andava triste não sabia de onde vinha.
E ainda por cima não tenho cor.
Eu vim do coração da Ana, respondeu-lhe a outra lágrima.
Quanto a não ter cor, aí enganas-te...
Uma lágrima é da cor da alma de quem a chorou.
Eu tenho mil cores, disse a lágrima que tinha rolado pela face da Ana.
Então a lágrima triste ficou alegre...
Lembrou-se que era uma lágrima de alegria.
Vinha do riso da Carolina, quando abraçou o pai cheia de saudades.
E era uma lágrima com tantas cores como as cores do
mundo inteiro.
Era uma lágrima tão bela e colorida como a alma da Carolina.

Isabel

Quando eu morrer

Fotografia de Scott Stroka
Balada da morte

O meu maior amigo
é o meu amor
quando eu morrer
o meu amor vai cantar
quando eu morrer
o meu amor vai cantar
baladas de sonhar
pra no sono da morte
me embalar
quando eu morrer
o meu amor vai cantar
com sua voz triste e doce
vai ao céu
pra me levar
quando eu morrer
o meu amor vai cantar
bebendo as lágrimas da saudade
cantará
para me guiar
Quando eu morrer
o meu amor vai cantar
cantará como um abraço
e é cantando
que me irá
chorar
Isabel ( para o Miguel, o meu amor e melhor amigo)
A meu maior amigo
Quando eu morrer, eu sei, tu escreverás
Triste soneto à morte prematura;
Dirás que a vida cansa em amargura
E, pálido e frio, tu me cantarás.
Nas quadras, reflectido se lerá
De como, vã e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, má ou boa, acabará.
A seguir, nos tercetos, tu dirás
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.
Por fim porás a data, assinarás.
E, relido o soneto, ficarás
Contente por tê-lo escrito bem.
Alexander Search
( gosto muito deste poema, é encantadora a ironia que contém)
"Campanário"
Altair Câmara